TRACING CONNECTIONS

TRACING CONNECTIONS

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By Heloiza Barbosa

I remember Logan Airport in 1994: its corridors like an elongated centipede and the air outside chillingly cold.

I remember getting off the bus on Mass Ave. at Washington Street. Passing a group of men at the corner store, one walked up to me and said, “Hello sweet ass.” I had no English to understand what he said. I turned to him and broadly smiled my honest apologies. He became embarrassed. After that, every day he would say to me “Hello sweet girl! Have a good day.” I felt welcomed.

I remember that my ESL teacher advised me to watch “Cheers” to learn the Boston accent. I had no TV. When I did, I could not hear anything different.

I remember my first bagel. It was cinnamon and raisins with cream cheese at Au Bon Pain in Harvard Square. Later, I got a job there.

I remember when a customer pointed to the shelf and asked for the donut “in the middle.” I told her that we had “Boston cream, Chocolate and vanilla frosting, but not inthemiddle.” She asked for the manager.

I remember my first snow. I opened my mouth and let it melt inside me. I too was transforming into something else.

I remember going to the emergency room of Boston Medical Center. The resident came with a nurse from Mexico to ask me questions. I said that I could understand a little bit, because Portuguese and Spanish are similar languages. He left, came back with a cleaning woman from Cape Verde. The resident gave me pills and hydration juices enough for a whole month. I wish I knew his name to send him a card.

I remember the first and only time that I ate Boston Baked Beans. I almost vomited in the restaurant. In Brazil we would never, ever, put sugar in our beans.

I remember that I could not believe that in coffee shops they left pitchers of milk out, free, for anyone to pour as much as they want into in their coffee. So rich was this city, I thought.

I remember, years later, when I received my acceptance letter to graduate school. I had wine and lobster at the top of the Prudential with friends from the US, Spain, Argelia, and Colombia.

On May 14th, 2018, I was one among the one hundred and eighty-seven immigrants from fifty-seven countries to be naturalized as U.S. citizen in a ceremony held at the Museum of Fine Arts in Boston. The journey had been long. Looking around me, I remembered that it was in Boston that I first tasted food from Afghanistan, Armenia, Barbados, Bolivia, Cape Verde, Cambodia, Guatemala, Greece, India, Ireland, Jamaica, Korea, Malaysia, Mexico, Russia, Spain, Tibet, Vietnam.

There, I remembered that there is no life that is not constructed inside a system of constant interconnections and differences. Viruses, bacteria, cells, animals, us all: we are all connecting, we are all meeting, we are all in movement forging each other inside this plural environment. Transformation is a migration within; migration is to stay even though you leave. All of us retaining what we need and transforming.

Tracing Movements # 3

Tracing Connections - Heloiza Barbosa, p. 112

 

 

A TERRA INTEIRA E O CÉU INFINITO

A Terra Inteira e o Céu Infinito

Aterrissei a poucas horas atrás. Eu li o último parágrafo, fechei o livro, e fui deixando aos poucos meu corpo voltar. Eu estava “viajando” no Japão. Uma baita diferença de fusos horários, de cultura, de língua. Mas, um gigantesco espelho de nós.

A viagem que fiz foi com Ruth Ozeki, escritora, poeta, cineasta, documentarista, monja zen-budista,  nascida e criada em Connecticut, EUA, de mãe japonesa e pai americano.

Pela escrita de Ruth viajei em uma inquietante trajetória que parecia que eu estava percorrendo “A Terra Inteira e o Céu Infinito,” o qual é título do seu livro, ou melhor, do seu pacote de viagem. Foram nove noites e oito dias de leituras intensas, curiosas, e da qual eu retornei não a mesma.

No início da viagem eu não estava muito acreditando que seria interessante. Sabe quando você vai só porque um amigo insistiu muito e, como você gosta do seu amigo, você decidiu ir mesmo sem vontade? Pois foi assim. Logo na primeira página tem uma poema budista sobre o tempo de ser* (que está no título original em Inglês: A Tale for the Time Being), esse tempo que inclui todos os seres do planeta.

“Um velho mestre falou:
O Ser-Tempo se ergue nos mais altos picos das montanhas;
O Ser-Tempo se move no mais profundo leito dos oceanos;
O Ser-Tempo tem três cabeças e oito braços;
O Ser-Tempo tem a altura de oito ou dezesseis pés;
O Ser-Tempo é um bastão de mestre (Hossu);
O Ser-Tempo é um pilar ou uma lanterna de pedra;
O Ser-Tempo é José ou Maria (ou tu ou eu);
O Ser-Tempo é a grande terra e os céus acima."

(Dogen Zenji)

Em seguida, uma adolescente chamada Nao, no Japão, se apresenta e nos conta que está escrevendo para um leitor imaginário sobre a vida dela em um café que imita os cafés parisienses onde garotas de programa japonesas entretêm clientes com variados fetiches, inclusive o cansado clichê de meninas usando o uniforme escolar Japonês. Imediatamente eu fui arrancada da minha cadeira confortável pela escrita de Nao Yasutani, que apesar de estar no Japão, escreve em Inglês. Ela se apresenta e conta que morou dos três anos de idade até a adolescência em Sunnyvale, uma cidade classe média alta do vale do Silício na California, quando seu pai era um programador muito bem pago. Nao leva-me para o centro barulhento de Tokyo, e fala-me que ela está nesse falso café francês escrevendo em um diário que foi feito com capa do livro “Em Busca do tempo Perdido” de Marcel Proust – parece que um dos artesanatos vendidos em Tokyo são cadernos com folhas em branco feitos de livros clássicos que tem suas folhas arrancadas e suas capas aproveitadas. Nao diz que vai escrever a estória da bisavó dela, Jiko Ysutani, de 104 anos que é monja zen-budista, mas que antes foi escritora e feminista militante.

Uma pausa e um novo trajeto é apresentado nesta viagem. Agora eu estou na costa canadense com uma escritora chamada Ruth que mora com seu namorado Oliver e o gato Pesto em uma remota ilha. Ruth ao caminhar pela praia após uma forte tempestade, encontra, no meio das algas e outros dejetos do mar, um saco plástico bem embalado e dentro uma lancheira da Hello Kitty. Distraidamente curiosa, Ruth leva o saco para casa para jogar no lixo, mas seu marido abre o saco e descobre que dentro da lancheira há o livro “Em Busca do tempo Perdido” de Proust, um outro saco com cartas escritas em Francês e um relógio masculino antigo de pulso, o qual você precisa dar corda para funcionar. Ao abrir o livro de Proust, Ruth se depara com páginas escritas a mão com caneta de tinta gel lilás e com a primeira frase sendo: “Oi! Eu me chamo Nao.”

Pronto, daí em diante a viagem intensifica. Fiquei transitando entre o diário de Nao e as reflexões de Ruth. Cada uma levando-me à lugares graciosos e profundamente dolorosos, ao mesmo tempo. Nao conta da perda do emprego do pai e como a família foi arremessada à pobreza e obrigada a retornar ao Japão; de como ela chega a um país que é completamente estranho para ela, onde ela não fala a língua, onde ela se sente estrangeira, e onde ela sofre os mais cruéis atos de pérfida maldade (bullying) feitos pelos seus colegas e professor. Nao apresenta-me um Japão que eu não sabia que existia: cheio de adolescentes violentos, estressados, e uma sociedade fortemente enrijecida, xenófoba e machista.

Nao também conta sobre a cultura do suicídio no Japão que envolve diversas gerações de sua própria família, sobre as missões suicidas durante a guerra mundial, sobre depressão, mas também sobre a felicidade que podemos ter quando mergulhamos em meditação e nos dedicamos a nos conhecer.

Ruth, por outro lado, nos conta das dificuldades de cuidar de pais idosos e com Alzheimer, da difícil arte de manter um relacionamento amoroso entre artistas e fora das grandes cidades, do bloqueio criativo sofrido por artistas, das escolhas feministas. Cada uma nos leva a grandes passeios pela alma humana.

Incluído no pacote de viagem estão também os momentos de profundas meditações com a sabedoria zen-budista da velha Jiko, que com 104 anos diz que ainda não sabe nada.

O encontro físico de Ruth e Nao nunca aconteceu. Aliás, Ruth não tem certeza se Nao e sua família existiram, e Nao não sabe se um leitor imaginário encontrou o seu diário que ela tentou salvar do tsunami de 2011. Mas se há algo que a mecânica quântica nos faz especular, é sobre a existência de mundos paralelos. Se esticarmos a mão podemos alcançar alguém do outro lado do mundo. Já tentou?

O livro é uma viagem linda, emocionante, comovente, brutal e regeneradora. Foi ganhados de vários prêmios literários em 2014. A dica está dada para quem estiver a fim de embarcar nessa viagem sobre “A Terra Inteira e o Céu Infinito,” sem medo e sem coragem, apenas com o seu tempo de ser.

 

"Não pensem no tempo como algo que simplesmente voa e passa. Não compreendam o 'passar' como a única função do tempo. Se fosse verdade que o tempo simplesmente voa e passa, então existiria uma separação entre vocês e o tempo. Portanto, se vocês compreendem o tempo como algo que apenas passa, nunca serão capazes de entender o ser-tempo. 
Para captar verdadeiramente a ideia, pensem que todas as criaturas que existem no mundo estão ligadas entre si como momentos no tempo, e ao mesmo tempo existem como momentos de tempos individuais. Porque todos os momentos são o ser-tempo, e eles são o seu tempo de ser."
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Mais informações:

Titulo: A Terra Inteira e o Céu Infinito

Autor: Ruth Ozeki

Editora: Casa da Palavra

Páginas: 464

Ano: 2014 

Compre aqui

 

Aprendiz Com Gratidão

Essa semana eu acompanhei os tweets #PrimeirosAssédio, segui os links para assistir videos de jovens mulheres falando para não nos calarmos e fazermos barulho, se possível muito barulho, e melhor ainda se o barulho for público sobre os assédios e assaltos ao nosso corpo, aos nossos direitos e à nossa liberdade, que nós, milhões de mulheres, sofremos cotidianamente.

Li, vi e aprendi com essas jovens e corajosas mulheres brasileiras que eu também sofri assédio. Pois antes eu tinha um sentimento de empatia racionalizada: lógico que eu me engajava na luta feminista, mas no fundo tinha gratidão pela sorte de não ter sido vitima de assédios pois ninguém havia me estuprado, ou batido em mim. Me achava a sortuda do bando, a que ainda tinha a alma inteira. Essas jovens brilhantes mulheres brasileiras com profunda ternura me tiraram as máscaras e eu pude ver que na minha infância nos anos 70 faltava uma palavra no vocabulário da minha mãe, das minhas vizinhas, das minhas tias, das minhas primas, das minhas irmãs, das amigas das minhas irmãs, das minhas amigas, das minhas professoras para descrever que quando os meninos levantavam a minha saia do uniforme na escola, isso era assédio. Ninguém disse para mim que quando os meninos do bairro falavam indecências para mim sem serem solicitados, ou quando passavam a mão no meu cabelo, na minha bunda, no meu peito quando eu andava na rua, ou na festa junina, ou no baile de carnaval, ou na procissão, que isso era assédio. Ninguém usava a palavra assédio para dizer do que estava acontecendo com a gente. Sem a palavra parecia que a violência e o medo não existiam. Para a minha fúria, indignação e nojo eu recebia: "Deixa pra lá." ou "Eles são estúpidos, não liga." ou "Evita passar por lá." ou "Não vai sozinha." ou "Não fica assim." ou "O que não mata, engorda."  Tudo isso dizia que meninos estavam fazendo a estupidez de meninos e eu [meninas] devia evitar aborrecimentos. Para evitar aborrecimentos eu [meninas] devia ficar calada; sofrer quieta e superar e colar os pedaços da minha alma fraturada com resignação.

Essa semana com 48 anos aprendi com as  lindas corajosas brilhantes jovens mulheres brasileiras que a estupidez dos meninos, jovens, homens, de violentar meu corpo, meus direitos e minha liberdade é assédio. E se sentir-me assediada eu posso, devo, fazer barulho, muito barulho, público barulho. Profunda gratidão.

LÍNGUAS, IDENTIDADES, CÍRIO DA NAZICA

Semana passada eu não escrevi no blog. Preguiça? Não. Havia uma não vontade.

Eu não tinha vontade de me distanciar da estória que estava escrevendo. Eu passei a semana lidando com a escrita de uma estória em Inglês. E ainda estou na peleja com o texto. É uma estória pessoal que eu vou contar em uma segunda língua.

Posso dizer que tem sido uma experiência de puxar e estender tendões, com grande cuidado para não distendê-los. Sim tendões, aquele fios, alguns grossos outros fino, que conecta os músculos aos ossos e mantém o corpo em equilíbrio. Colocar muito esforço e descuidar dos tendões pode causar uma tendinite. Uma inflamação dolorida. Fazer movimentos repetitivos pode causar uma lesão nos tendões. Um esforço maior meu de rebuscar o texto, ou um esforço de uma repetição infrutífera, pode inflamar a narrativa. Isso lógico pode acontecer tanto usando o português quanto o inglês. O problema fica mais delicado na segunda língua por conta da não “naturalidade” do processo.

Eu não gosto da ideia de “naturalidade” quando se fala de processos criativos, porque pode dar a impressão errada de que o ato criador é absolutamente sem esforço, é natural. Muito pelo contrário, criar, seja um quadro, uma poesia, uma casa, um conto, uma conexão de ideias, um aplicativo, exige esforço, dedicação, disciplina, introspecção, reflexão, prática e desafios. Não há uma biologia “natural” do processo de criar, com a qual alguns iluminados nasceram. Mas também eu não posso escapar da percepção de que quando se trata de escrever na língua que você foi amamentado, cantou as cantigas de roda, leu os primeiros livros na escola, brigou com a melhor amiga, xingou o primeiro namorado, seduziu o primeiro amante, há algo de naturalmente orgânico. Essa língua que te “maternou” e com a qual você entende e vê o mundo, já está lá contigo desde o nascimento.  É uma trajetória orgânica você se vestir e se despir na língua materna. A outra língua foi uma escolha de depois. Há cortes e edições aí invocados. Narrar as estórias suas em outra língua é um trabalho sem o instinto da língua na qual você nasceu. É pensar em cada palavra, cada vírgula, cada ponto.

Na minha aula de yoga, a minha professora-poeta sempre nos faz “entrar” na pose e depois parar para refletir. Ação-reflexão-expansão é o seu mantra. Esse hábito formado nas aulas de yoga coloca-me a pensar no que estou fazendo.

Escrever em outra língua é uma nova identidade. Mas não é uma destruição de si. É uma desconstrução que com acuidade se recompõe em diferentes formas. Uma nova edição. Os tendões são tecidos regenerativos. Há um sentimento de liberação ao adotar uma outra língua para ver e descrever o mundo. Vladmir Nobokov, author russo, escreveu Lolita – seu romance mais famoso – em inglês, língua que adotou adulto. Samuel Becket, escritor e dramaturgo irlandês, escolheu o francês com a sua outra língua de seus últimos e famosos escritos, entre eles Esperando Por Godot. Escrever em uma outra língua é uma re-invenção de si que embriaga pelas infinitas possibilidades de tomar a forma que bem lhe aprouver.

É uma re-invenção de si. E também é a dimensão performativa da identidade: eu mudo de língua e a língua me muda. Na medida em que eu ajo em outra língua essa outra língua age em mim. E não há imunidade para as transformações dessa performance. Só há mais largura e mais estórias.

Espero que eu engorde a minha existência de estórias para contar em outras línguas que escolher e que meus tendões me mantenha em equilíbrio.

É o meu pedido especial para a Nazica***.  Amém! Um bom Círio a todos!

 

*** Para os leitores não Paraenses deste blog, Nazica é como nós nos dirigimos com intimidade e respeito a Nossa Senhora de Nazaré, padroeira de todos os nascidos, adotados, imigrantes, refugiados, amigos e conhecidos de Belém do Pará. E o Círio é gigantesca procissão seguida de uma monumental festa que acontece em sua homenagem no segundo domingo de outubro.

 

P.S.   Eu não vou ser egoísta no meu pedido, pois estou em um blog público e vocês me julgarão como aquela descarada que só pensa nela. Vou pedir para a Nazica dar uma força para os amigos conseguirem uma casinha.

P.P.S. Ok. Ainda é pedido só pra poucos. Então eu vou pedir para os governantes brasileiros escreverem uma estória do Brasil sem racismo, preconceito, corrupção, violência e ganância dos podres de rico.


P. P.P.S   O que que você pediria para a Nazica?

P.P.P.S      Não se acanhe. Pode pedir. Ela escuta. Vai, compartilha. Diz aí, escreve aqui no blog, o que você pediria para a Nazica?




Escola Brasileira: Tudo igual!

Eu tenho uma amiga com a qual eu tenho um grande desprazer de sair para comer ou de cozinhar para. Porque para ela tanto faz um sanduíche de ovo feito em pão fatiado de supermercado ou um requintado coq au vin, o deleite será igual. Ela expressará com genuína sinceridade o prazer que a comida lhe ofereceu. Tudo para ela é na mesma intensidade muito bom. “Por favor, não diz que está delicioso,” eu falo para ela. “Mas está delicioso,” ela sempre responde. “Mas tudo é delicioso para ti,” falo irritada. “E qual é o problema disso?” ela pergunta já rindo da minha irritação. O problema que eu sinto é que sem discernimento não há consciência da maestria envolvida e nem mesmo gratidão pelo esforço.

Eu lembrei desse opaco nivelamento culinário da minha amiga quando uma outra amiga perguntou-me sobre o que eu achava de uma escola X ou de uma escola Y. Ela estava querendo decidir onde matricular sua filha. Não vou aqui dar nome as escolas, porque não fará a menor diferença. E este é o problema.  As escolas no Brasil tornaram-se iguais em suas ineficientes organizações, do ponto de vista da aprendizagem da criança,  também em suas medíocres metodologias, em seus insuficientes números de profissionais da educação e em desastrosas experiências educativas para as crianças. Tudo igual!

Antes que alguém pense em refrescar a minha memória, eu sei que há lindas e instigantes escolas alternativas fazendo uma pedagogia voltada para as diferenças individuais de crescimento e aprendizagem. Mas, infelizmente, estas escolas são pequenos números de alternativas ao esmagador conglomerado das típicas escolas públicas e particulares brasileiras. Quando eu comecei a estudar pedagogia em 1987 as escolas alternativas já existiam e agora, quase trinta anos depois, elas ainda continuam sendo alternativas. Suas inovadoras metodologias não chegaram ainda dentro de uma prática comum. Absolutamente triste!

Cinco anos atrás, um francês que estava querendo construir uma escola particular de ensino médio no Brasil pediu para consultar comigo sobre o sistema educacional brasileiro. Depois de algumas horas explicando para ele como funcionava as escolas no Brasil, ele perguntou atônito e incrédulo: “porque que a classe média brasileira paga para ter uma escola privada que funciona e ensina exatamente do mesmo jeito que a escola pública?” Graças a estranheza do olhar deste estrangeiro, em 2012 eu escrevi um artigo intitulado Uma Nova Estética Escolar: juntando os aspectos cognitivos e pedagógicos” (aqui está o link) no qual eu juntava as evidências de estudos que demonstraram que aspectos são mais facilitadores da aprendizagem da criança e clamava para que esses aspectos fossem considerados para se pensar a construção e funcionamento da escola brasileira.

Resumindo, as crianças no Brasil continuam indo para a escola – pública ou particular não faz a menor diferença – que coloca trinta alunos ou mais dentro de uma sala minúscula, com somente um professor, sentados em carteiras enfileiradas (ou talvez em semi-círculo, nas escolas mais “alternativas”), sem espaço para criação de ambientes múltiplos, sem instrumentos para fazer experimentos, fazendo todos as mesma tarefa com papel e lápis, no mesmo momento e, de preferência, do mesmo jeito. Enquanto aceleradamente muda a sociedade, mudam-se os perfis de nossas relações sociais e transformam-se os instrumentos que usamos para transitar no mundo contemporâneo, a escola brasileira permanece a mesma instituída pelos jesuítas no século XVI. A única mudança visível foi a desvalorização do professor em termos de formação e salário.

Sem discernimento do que faz uma escola e uma experiência de formação realmente valer a pena, não há consciência da maestria necessária e nem mesmo agradecimento pelo esforço empreendido. Tudo torna-se a mesma medíocre porcaria.

DIÁRIO DE VIAGEM: Imigrantes e Refugiados

Imigrantes e Refugiados

 

Para quem está lendo este blog pela primeira vez, eu quero informar da minha condição de imigrante. Meu filho nasceu nos EUA, e quando ele tinha um-ano-e-seis-meses nós. Meu filho, meu marido e eu, mudamos para Florianópolis. Depois de oito anos no sul do Brasil, meu marido reclamou a vontade de retornar seu país de origem, pelo menos por um tempo. Voluntariamente migramos para Boston. Como imigrante privilegiada, eu passei um ano no limbo burocrático esperando os “papéis da imigração” para trabalhar, tirar carteira de motorista e ter a vida registrada. Nunca fiquei sem casa, sem comunicação, sem roupas, sem comida, sem conforto. Ninguém me perseguiu, nem explodiu minha casa ou minha cidade, destruiu a escola de meu filho, ou assassinou a minha família e minha comunidade. Essa é a distinção feita entre os imigrantes e refugiados. Aqueles que são expulsos de suas casas porque as condições concretas tornaram-se humanamente insuportáveis e ameaçam a integridade da vida, esses são considerados refugiados. A esses é garantido o direito de buscar refúgio em outro local.

Em agosto, a mídia não mais pôde calar-se para as centenas de milhares de refugiados que saíam da Síria, do Afeganistão, do Iraque, e de países Africanos e buscavam abrigo em outros países com economias e governos estáveis da Europa. No país que escolhi morar, grupos organizavam-se para pressionar o governo à conceder abrigo a estes refugiados.

Como imigrante documentada, eu tenho direito de sair e re-entrar no país que escolhi morar. Meu direito de ir e vir. Usando desse direito, em agosto eu viajei para visitar meu pai e família por três semanas em Belém, cidade do norte do Brasil que um dia foi pérola da Amazônia.

Parto em um longo voo na noite do dia 13 de Agosto. Chego ao Brasil na tarde do dia 14. Nos aeroportos as televisões noticiam da chacina acontecida na noite anterior cidade de Osasco, São Paulo, onde 18 (ou 19, depende de quem conta) pessoas foram assassinadas por um esquadrão que tem policiais do estado envolvidos. Comento da atrocidade noticiada com um senhor sentado ao meu lado na última escala do voo de Brasília para Belém. Com a rapidez de quem quer se desvencilhar de um chato inconveniente, ele diz que era uma pena o ocorrido, porque parece que os mortos eram todos trabalhadores. E, emtom profético avisa, “a situação não está fácil. E só vai piorar.” Não era o que esperava escutar ao chegar para visitar o país que nasci.

Ao sentar para assistir aos telejornais locais depois do jantar, estranhei que nas entrevistas os familiares dos mortos descrevem seus filhos, maridos, amigos, sobrinhos, primos, netos, companheiros como trabalhadores. Lembrei-me do comentário do senhor no avião. Ocorreu-me uma profunda inquietação. Soava aos meus ouvidos que havia uma intenção da mídia brasileira de justificar a repugnante matança caso as pessoas assassinadas fossem bandidos. E, por outro lado, os familiares dos mortos, tentavam defender a imagem dos seu. Eu não conseguia entender como o ato de matar pessoas poderia ser justificado. Deu vontade de gritar. Nem trabalhador e nem bandido deve ser morto nas ruas por policiais do Estado de um país civilizado! Absurda bárbarie! Eu gritei, mas em silêncio.

No outro dia procuro notícias sobre os mortos. Os trabalhadores mortos estavam em bares conversando com amigos e tomando cerveja, ou caminhavam na rua, ou só estavam na frente de suas casas conversando. Me parece que o problema deles é que estavam todos no mesmo ugar. Estavam na periferia.

Minha família mora na periferia de Belém. Periferia, assim me parece, é o mesmo em todo lugar. E na periferia a situação é de clausura. Na periferia o ir e vir é limitado à certas horas e com precauções. É perigoso estar do lado de fora na periferia. A vida é com medo na periferia, porque ela é narrada como de menos valor. São milhões de vidas menos valoradas. Quem vive na periferia são os refugiados econômicos: os que não têm dinheiro, não têm emprego, não têm escola, não têm casa, não têm água encanada ou energia elétrica – apesar de pagar a conta todo mês – não têm esgoto, não tem calçada, não têm posto de saúde, não têm hospital, não têm praça, não têm lazer, não têm segurança, não têm conta no banco. Os refugiados das periferias brasileiras não têm nem mesmo a voz de solicitar refúgio, abrigo, empatia, humanidade.

Dois dias depois, no dia 16 de agosto, a classe de cidadãos que não tem medo de sair para tomar cerveja no bar com os amigos, porque ninguém aparecerá encapuzado para matá-los, saiu às ruas para protestar contra a corrupção e tirou selfie abraçada com a polícia – instituição estatal – que estava envolvida no assassinato das19 pessoas de Osasco três dias atrás. Ninguém protestou a chacina ocorrida.

Neste violento palco de embates humanos, os pobres do Brasil estão sendo mortos diariamente em números alarmantes pela polícia estatal, pelas políticas sociais de desvalorização da vida, da saúde, da cultura, do trabalho e da educação. As mortes das inteligências e dos corpos dos pobres do Brasil alimenta a corrupção brasileira que necessita da ignorância, da desconfiança e do medo para se sustentar. A situação nas periferias brasileiras está tornando-se insustentável para a integridade da vida humana.

Será que as classes dos poderosos brasileiros abrirão seus condomínios fechados para os refugiados das periferias do Brasil, ou só os refugiados de longe podem receber a simpatia dos poderosos brasileiros?

Eu estava ali na periferia, indignada com a desumanidade da vida diária e desconfortável com meu privilegio. Eu era uma migrante. Eu tinha poder de escolhas. Todos os outros eram refugiados, sendo expulsos de suas vidas. Sem ter para onde ir, a vida é resumida: uma conversa na frente na casa. Mas, cuidado!

Quando refletia sobre estes acontecimentos, eu lia o livro Dora Bruder de Patrick Modiano,  escritor Francês ganhador do Nobel de Literatura em 2014. Dora era uma adolescente de família de imigrantes judeus que foi deportada e morta nos campos de concentração nazista. Foi a leitura do livro de Modiano que me levou a querer descobrir a identidade dos 19 mortos de Osasco, mas eu não tive o fôlego e coragem do escritor Francês. Mas fica a recomendação.

ESTOU de VOLTA!!!! - Belém, Ópera e ... OPERA URBANA

Olá amados leitores deste blog!

Eu passei as últimas três semanas em Belém, no Pará. Cidade onde nasci, morei até a idade de vinte e três anos, tenho amigos e uma enorme e querida família. Fui visitar o meu pai, que me surpreende com sua caduquice-alzheimica-cabocla e sua frágil força física. Ele, meu pai, está em um momento em que o tempo de vida que tem pode ser de uma semana, um mês, ou anos. Quem sabe? Passar esse tempo com meu pai, me fez pensar muito sobre envelhecer e morrer, momentos da vida que espero ter a sorte de saborear com gratidão e com pessoas queridas ao meu lado e cuidando de mim. É impressionante como esquecemos, no apogeu de nossas forças juvenis e maduras, que o quê nos sustenta é o amor que cuida e zela e não as roupas, sapatos, carros, jóias e outros objetos que equivocadamente mudamos de lugar com o nosso sustentáculo.

Mas essa reflexão vai ficar para outro post do blog. Por agora, eu quero contar que em Belém eu fui assistir a uma das óperas que fazem parte do Festival de Ópera do Theatro da Paz que ocorre anualmente entre os meses de Agosto a Setembro. Eu e meu filho Xico assistimos a ópera "A Ceia dos Cardeais" de Iberê de Lemos, compositor Paraense que criou a ópera por volta de 1902. A encenação da ópera aconteceu dentro de uma das mais antigas igrejas da cidade. É absolutamente inquietante ver a encenação de uma ópera com uma orquestra de maestrais e habilidosos músicos nortistas e cantores de grandiosa estirpe lírica dentro de uma cidade onde mais da metade de sua população vive em favelas, ou áreas de invasões. Para dizer desse contraste,  abaixo tem o mini-conto que escrevi depois da ópera sobre a conversa com um motorista de taxi em frente a igreja após a encenação.

ÓPERA URBANA

Oi! Você está livre?

Não. Já acabou a ópera? Foi boa?

Sim.

Não ande por aí. É perigoso!

Você pode me levar?

Tenho que esperar uma dona que foi pra ópera. Se ela não vier eu lhe levo.

Obrigada.

Não ande por aí. Espere aqui. É perigoso!

Tá bom. Espero. Aqui.

Se eu lhe chamar um outro colega taxista você espera?

Espero.

Dona Renata? Oi, é o taxi. Já estou lhe esperando. Estou em frente a ópera.

Vou chamar um pra você. Espere. Não ande. Não vá.

Sim.

Chamei. Chegará rápido. Está na avenida dezeseis. Não se afaste.

Obrigada.

Olha! Chegou! É um hatch.

Espere. Não ande. Não vá. É perigoso!



CONTO: "Sesta de Chocolates"

Queridos leitores deste blog parido e lambido com cuidados e amores,

Por três semanas eu vou estar junto com meu pai, que no sono da sua razão ouve múltiplas vozes de uma vida que não tem mais as fronteiras que demarcam o passado, presente e futuro.  Não sei se escreverei textos sobre essa experiência aqui no blog. Mas, como eu não planejo o que eu escrevo, fiquem atentos, porque tudo pode acontecer.

Por agora tem um conto que eu escrevi para a ALPACALIPSE #2, uma zine feita por mulheres artistas que não têm medo de sua fala, de seus desejos e de sua criatividade. São cartunistas, ilustradoras, escritoras, poetas soltando a alma! Kicking ass!!!!

A ALPACALIPSE #2 da editora Alpaca teve como tema TER/CORPO


Meu conto na zine  é SESTA DE CHOCOLATES.... o link para a revista está aqui. Divirtam-se e comentem a leitura.


Uma Declaração Feminista.

u não esperava, não contava com o tempo livre. Mas de repente meu filho foi brincar e dormir na casa de uma amiguinha, meu marido tinha um jantar par ir com os nerds, e eu tinha tempo só meu. Meu impulso é ver os filmes que estão em cartaz e me preparar para passar duas horas no escuro do cinema comendo chocolate. E fui isso que me preparei para fazer. Saí de casa com antecedência para não ter pressa em dirigir no final de tarde bonita do verão do hemisfério norte.

Foto Heloiza Barbosa

Para sair da garagem da minha casa, um antigo prédio construído por volta de 1920, eu preciso dar ré com cuidado, pois a minha casa está de frente para uma avenida com trafego em dois sentidos. Engato a ré e olho para a direita. Vários carros vem daquele sentido. Olho para a esquerda, dois carros vindo dessa direção. Não tenho pressa, espero. Olho novamente para a direita depois que os vários carros passaram. Um carro se aproxima devagar. Olho para a esquerda, agora vários carros vem dessa direção. Não há pressa, penso. Espero. Olho para a direita, e está livre de carros. Olho para a esquerda, só há um carro preto se aproximando. O carro preto passa. Olho para os dois lados, confirmo a não existência de carros se aproximando. Dou ré para atravessar a rua e seguir no sentido de subida. Ouço buzina alucinante atrás de mim. Ouço barulho de pneus freando em asfalto quente. Paraliso. Um carro em grande velocidade apareceu na esquerda. Ele desviou da traseira do meu carro e o motorista indignado buzina e gesticula para mim. Eu lhe dei um cotoco, aquele gesto instintivo com os dedos nas horas de raiva. “Que doidaço!” falo para ninguém. Respiro novamente e sigo devagar. Paro para dar passagem para um outro carro logo a frente.

Na encruzilhada das ruas, o sinal fica vermelho. O motorista indignado está na frente do carro para o qual eu dei passagem. Ele me procura pelo retrovisor. Ainda gesticula. De repente, ele abre a porta do carro e caminha na minha direção. Eu o reconheço! Ele faz yoga comigo! Ele se aproxima de óculos escuro. Fico feliz que é meu vizinho e parceiro de yoga Fred. Tenho certeza que ele vai se desculpar comigo, penso. Oh meu deus, eu preciso me desculpar com ele pelo cotoco que dei pra ele; que vergonha! Meus pensamentos são rápidos e nervosos. Eu abaixo os vidros do carro com sorriso. Ele grita, “Você não olha quando dirige! Você olha? Você olhou? God, você quase me matou...” Eu ainda perplexa com a reação dele, sorrindo nervosa falo “Oi Fred, sou eu. Tudo bem? ... Olhei sim. Você não estava lá...” Ele não ouve. Ele interrompe, em tom patriarcal de dono-da-razão furioso “Se você não olha você não deve dirigir. Você deve saber o básico antes de pegar o carro.” Virou-se, caminhou de volta para o seu carro como se ele tivesse cumprido o papel dele de ‘bom cidadão’. O sinal ficou verde e tomamos rumos diferentes.

Tomei a decisão de não deixar esse triste episódio estragar meu cinema. Mas sabia que teria que fazer algo com o sentimento que tal erupção me causou.

Esse homem que me atacou com sua irritação, mora a três quarteirões da minha casa. Pelo menos por um ano e meio, nós nos encontramos duas vezes por semana nas aulas de yoga. No início, nós não nos cumprimentávamos, depois passamos a conversar amenidades no final da aula. Recentemente, sempre que a professora passava poses para serem executadas com a ajuda de um parceiro, ele se voluntariava imediatamente para ser meu parceiro. Em um retiro de yoga de um final de semana no mês passado, ele participou junto com a esposa e a filha adolescente. Lá, no círculo de conversa inicial, ele anunciou que seu objetivo era ficar mais leve com a necessidade de controle que ele tinha. Achei demagógica a fala, mas conseguia ver nobreza no esforço dele. Afinal estávamos em um retiro de prática de yoga e sentia que precisava ser empática e olhar o outro sem julgamento. Lembro que culpei-me imediatamente por tê-lo julgado na minha mente, passei o resto do retiro exercitando o não-julgamento. Havia nobreza também no meu esforço.

Ilustrações do Livro de 1970 "I'm  Glad I'm a Boy! I'm Glad I'm a Girl!" de Whitney Darrow Jr., satirical cartunista do New York Times. Ver o site do Brain Picking para mais informações. 

Como eu vou agora fazer a pose do ‘cachorro olhando pra baixo’ com um homem que acha que nem o básico do conhecimento de dirigir um carro eu sabia? Será que ele faria esse comentário se fosse um homem dirigindo o carro? Minha intuição diz que não. A reação dele falou do seu machismo. A reação dele falou que eu, como mulher, sou um recipiente vazio que precisa ser penetrada e preenchida com a “sabedoria” dele. No discurso indignado dele, ele tem algo que eu não tenho. Ou melhor, ele se apoia na ilusão de que ele tem algo que o empodera e que a mim falta. O problema dessa alegoria machista da minha “falta”, é que inteligência não está na genitália.

Percebi com este incidente, que eu estou cansada da razão pura-&-branca do macho! Grande parte da minha vida eu duvidei da minha própria razão. Incontáveis vezes eu concedi às imposições de motivos e causas outorgadas pela opressão do dono-da-razão. E o dono da razão tinha um sexo definido (assim como classe, endereço, escolaridade, profissão, nacionalidade). Quantas mulheres diariamente, a cada instante de vida, são informadas que à elas não pertence a verdade, nem mesmos as que elas testemunham nas suas próprias vidas?

Eu tenho o privilégio de elaborar uma crítica a este venenoso machismo, consigo escrever e comunicar minha repulsa. Mas quantas mulheres são silenciadas neste planeta pelo universo arrogante machista? Apesar de termos um planeta no qual a maioria da população é feminina (52%), o grupo de mulheres que consegue falar, escrever, expressar sua voz é ainda minguado, esquálido. Por esse motivo, nós nunca teremos uma verdadeira estatística da violência sofrida pelas mulheres, e também pelos homens fora do círculo de poder, pois inúmeras violências e abusos ocorrem sem ocorrências registradas, sem legitimação da voz de quem sofre.

Ser extirpada da minha perspectiva, da minha razão, da minha versão da estória acontecida é um golpe à minha igualdade de participação, de expressão, de inteligência. Se lutar por essa igualdade é feminismo. Eu sou feminista.

Feminismo não é um rótulo de classificação das fêmeas, o qual foi histórica e culturalmente embebido de imagens misóginas de que ser feminista é para as mulheres malogradas, mal amadas, mal humoradas. Feminismo, pelo menos para mim, não é um rótulo. Feminismo é um contexto que geramos. Uma declaração. Uma consciência. Uma atenção. Uma escolha intencional de um jeito de pensarmos o nosso participar no mundo. Assim como yoga, feminismo é para todos, homens e mulheres, meninos e meninas.

Eu estou esperançosa de encontrar com meu vizinho nas próximas aulas de yoga. Talvez possamos nos apoiar mutualmente na pose da “árvore” para encontrarmos o nosso balanço ao vermos nossas raízes plantadas no mesmo solo e nossos galhos espalhando-se, florescendo, sem as sórdidas e ainda vivas barreiras dos podres poderes.

Porra Brasil, assim não dá mano!

Sexta-feira, depois e assistir um comovente espetáculo de dança, no qual as memórias e sentimentos pessoais são expostos nos corpos dos dançarinos, artistas do movimento, eu voltei para casa com meu marido e filho em um carro que chamamos pelo nosso celular. O motorista do serviço Uber que nos atendeu era do Zimbábue, mas como eu, ele já morava em Boston há mais de dez anos. Ele perguntou de onde eu era, quando respondi que era brasileira ele logo abriu um sorriso e falou que um dia gostaria de visitar o Brasil. Falou do carnaval e comentou receoso do fracasso da última copa do mundo, da goleada de 7X1 que levamos da Alemanha. Meu filho de 11 anos que já estava sonolento dá a sua opinião: “Agora o Brasil precisa ser bom em outra coisa. Mas eu não sei no quê.”

Calei-me em tristeza. Havia lua azul no céu, ficar triste parecia não caber na expectativa da noite. Mas, como ficar diferente? Meu desejo era que meu filho, que é tanto brasileiro quanto norte americano, tivesse uma orgulhosa e bela imagem do Brasil. Lógico que o Brasil é bom em várias coisas, pensei. Decidi que iria mostrá-lo as coisas que o Brasil é bom.

Acordei no dia seguinte com este intuito guiando meus movimentos e abri o computador em busca do bom no Brasil. Encontrei estas notícias:

(1) Trem passa por cima de corpo na estação de Madureira no Rio (????) Corpo? Eu achei que estava lendo errado. Mas havia um corpo humano nos trilhos do trem e a empresa SuperVia que administra o transporte de trem do Rio de Janeiro autorizou que um segundo trem passe por cima do corpo para não causar atrasos em seus trens. Isso não é livro de ficção absurda! É noticia de jornal! Brasil, agora estás para além da banalização do mal!

Ainda sem conseguir acreditar e com o estômago embrulhado, eu mudo de mídia e leio um post do meu amigo no FB, que é a segunda notícia:

(2) Em ato de racismo, indígenas são expulsos de ônibus de viagem (!!!!???). Como assim, “são expulsos?” Eu não entendi. Lendo a matéria fica evidente mais um crime de racismo perpetrado com os índios. Brasil, nós já expulsamos os índios de suas terras, nós já destruímos a cultura deles, nós já aniquilamos as tradições deles, nós já lhe demos doenças que eles não tinham, e agora os poucos que sobreviveram ao nosso massacre histórico não podem viajar de ônibus, Brasil??? O que está acontecendo?  Brasil, porque a povo do teu solo anda se orgulhando de sua própria ignorância e fica achando que racismo é bom para provar quem é melhor? Mas racismo é crime em tuas leis, Brasil! Haverá punição para este crime?

Porra Brasil, assim tá foda! Assim não dá mano!

Ligo o rádio para me distrair. Está na hora do meu programa humorístico favorito na rádio pública nacional (NPR) dos EUA que vai ao ar aos sábados. Nessa hora a piada era que os atletas em competições que serão feitas nas águas das lagoas do Rio de Janeiro durante as Olimpíadas de 2016 precisarão deixar seus testamentos redigidos devido a poluição das águas.

Desligo o rádio. Volto ao computador. Há um e-mail sobre greve nas universidades federais. Não sabia das greves. Procuro notícias sobre a greve e não encontro nada nos principais jornais do país. Aí encontro o blog de Maíra Kubík Mano, professora da UFBA com a terceira notícia:

(3) 60 dias de greve nas universidades federais: por que isso não é assunto? A presidente foi eleita com o tema de campanha “Brasil, Pátria Educadora” e o que está acontecendo com o projeto de investimento na educação? Porque os jornais não estão documentando o golpe de destruição da universidade pública brasileira? Educação de qualidade não interessa à ti, Brasil? Será que a fábula de enaltecer a ignorância está sendo acreditada pelo povo do teu solo, Brasil? Como pode um pais desenvolver-se sem que seus professores sejam valorizados pelo seu trabalho e sem investimentos em suas ações educadoras e criações acadêmico-científicas?

O sorriso do motorista do Zimbábue ao me identificar como brasileira respondeu à uma imagem fundada nos clichês que temos de ti Brasil, país que se acreditava abençoado, onde nunca haveria terremotos, inundações, tufões, secas, deslizamentos de terra e outras intempéries naturais. Bom, esse clichê já dançou a muito tempo, né Brasil. Tu és igual a todos os outros países que abusam da natureza e sofrem as consequências de seus atos gananciosos e corporativos.

Mas também existiam outros clichês, que pra quem te vê de longe Brasil, ainda parece real. Clichês que criaram a falsa identidade brasileira, como: brasileiro é povo acolhedor, hospitaleiro; brasileiro é a encarnação suprema do futebol arte; brasileiro não é racista; brasileiro é só alegria, samba e bunda.

Olhando de longe até parece verdade, mas de perto é visível as ilusões criadas pela tua imagem clichê, Brasil. Por exemplo, a alegria brasileira considerada falsamente inata nas pessoas do teu solo, sempre foi ri de sua própria miséria; sempre foi uma alegria triste, como o único jeito de suportar a dor de viver em ti, Brasil, dia-após-dia. Dor empurrada com a barriga seca, Brasil.

O samba, criado pelos desprezados dos teus ricos salões de festa, sempre falou das tristezas do teu povo, Brasil. Desde de sempre foi assim.

O povo que tu, Brasil, dizes que é afetuoso e acolhedor, é assim “só com os de fora,” como dizia a minha mãe. Mas, para os de dentro do teu solo, o povo agride, grita, bate, fere e mata. Basta ver o golpe desferido por Eduardo Cunha na Câmara  para colocar na cadeia “menores” “perigosos,” em vez de dá-lhes condições materiais e culturais de vida digna. Não há afeto com o outro que está dentro de ti, Brasil.

Em ti, Brasil, há racismo e sempre houve. Tu fostes o país que mais importou escravos do continente Africano e fostes o último país a abolir a escravidão – somente nos termos da lei, diga-se de passagem. O teu racismo é evidente, basta ver as estatísticas de morte de jovens pretos, ou as estatísticas de quem é médico, engenheiro, juiz, advogado, dentista, veterinário e tantas outras profissões que precisam de um diploma das tuas universidades, Brasil.

Outro clichê corroído é de que tu és um país acolhedor, Brasil. Como tu podes pensar que és acolhedor, Brasil, quando nas tuas ruas há crimes sendo cometidos cotidianamente contra a população LGBTQ+, negros, mulheres, pobres e pessoas de diferentes credos. O ódio propagado por pastores evangélicos para milhões de seus fiéis no teu solo não é uma discurso de acolhimento, Brasil; é um discurso segregacionista, desrespeitoso e sem amor. Mas sem dúvida alguma é um discurso lucrativo para os bolsos desses pastores, e de outros aproveitadores da miséria alheia que esperam o momento certo para vender mais falsas imagens e criar falsos medos. E tu conversas com teu povo sobre isso, Brasil? Tu dialogas para desfazer os medos, para acabar com essa papagaiada de oferecer falsos culpados, para esclarecer sobre os problemas reais e encontrar soluções honestas de redistribuição de renda, Brasil? Eu não vejo isso acontecer, Brasil.

Quando todos os clichês se desmancham e formam a lama corrosiva da tua real imagem, aí é quando pastores semeadores de ódio, empresários gananciosos, políticos corruptos que parecem crescer desordenadamente no teu solo, Brasil, veem a oportunidade de lucrar vendendo falsos culpados para os temores criados, como os “menores” “perigosos,” o preto que tira a vaga do branco na universidade, a população LGBTQ+ que quer destruir a família, o pobre que é quer viver no bem bom sem trabalhar e receber a bolsa-família. E tu não esclareces essas falsidades, Brasil! Fala sério!

Há até lucro no falso clichê da beleza da bunda natural da brasileira, basta ver o aumento de implantação de silicone nessa área do corpo.

Os clichês não te sustentam mais e a gente vê quão feia, torturada, violentada é a tua imagem, Brasil.

Os teus clichês foram destruídos e essa destruição, bem-vinda ao meu ver, é visível até para as crianças que, como o meu filho, não sabem no quê tu, Brasil, poderias ser bom.

Hoje eu percebi, que melhor do que o meu desejo que meu filho tenha uma imagem orgulhosa e bela de ti, é ele ter uma imagem real do país que és, Brasil. Diferente de mim, ele não foi enganado pelos clichês que me deram uma falsa imagem de ti, Brasil.

Eu estou com meu filho, Brasil tu és bom no quê mesmo?

Se ajudar na tua auto-estima Brasil, eu posso dizer que tu és igual à todos os outros países que privilegiam o lucro, o ódio, o preconceito, a ignorância. Essas com certeza não são boas companhias para ti, Brasil.

Por favor Brasil, dá um sinal de que teus políticos pararão de se preocupar com um projeto pessoal facista ou de um grupo de privilegiados, e se engajarão em um projeto de país que preza pela dignidade, saúde, educação, trabalho, lazer, cultura, diversidade, respeito e bem-estar do seu povo.

Eu ainda quero acreditar que é possível construir uma outra imagem de ti, Brasil. Talvez uma imagem menos bruta.

Companhia Matéria - Uma crônica ordinária.

Meu filho na casa do avô. Meu marido na mesma casa com seu pai. Eu sozinha em nossa casa durante todo o final de semana. Felicidade esquecida de ter os dias com todos os seus segundos só para mim!!! Na sexta-feira escrevi, tomei café da manhã longo e devagar, li, andei de bicicleta, fiz yoga, almocei, lavei o cabelo com calma, sequei-o com escovas que enrolam e demoram um tempo danado para ficar legal, li mais, desenhei, jantei salada, fui à um concerto de música, tomei drinks com amigos, voltei pra casa, vi um filme francês e dormir tarde. Sábado chuvoso, acordo, faço meu chá e volto pra cama para ler e tomar chá, passo o dia na cama lendo e escrevendo, paro para jantar e ver mais um filme. Domingo de sol, escrevo, tomo café mais um delicioso café da manhã, escolho uma roupa que me inspire, coloco minha bolsa de canetas e meu caderno de número 4 dentro da minha bolsa e vou para o museu ver pintores modernistas, primeiro passo na livraria para ver as novidades, depois do museu em sento na praça modernista para apreciar a tarde de sol e escrever.

A imagem das cadeiras, do sol, da tarde, das pessoas, do verão é demais. Eu preciso registrar isso! Pego o celular para tirar fotos.

Volto ao banco modernista onde sentava. Minha caneta, cadê? Olho em volta, olho para frente, para trás, olho para a direita, para a esquerda, olho dentro da minha bolsa, olho nos meus bolsos, olho no meu caderno número 4, olho no chão. Não vejo a caneta. O banco modernista é uma escultura ondulada de madeira com frestas. Olho na fresta. Vejo a minha caneta caída dentro do banco. Deve ter escorregado entre as frestas quando eu a deixei no banco e saí para tirar fotos. Bobinha, eu pensei, agora é só afastar o banco e pegar a caneta. Mas era impossível mover o banco. Pensei em chamar alguém para me ajudar, mas me convenci da impossibilidade da tarefa. O banco não estava chumbado no chão por nada além do seu peso irremovível. Eu não tinha nenhum arame ou pauzinho para cutucar a caneta.

Fiquei ali deitada com a cabeça no banco e o olho ajustando o foco na greta. Minha caneta prateada com sua ponta dourada deitada no pedaço de chão sujo coberto pelo banco que ninguém vê. Minha caneta tão perto... mas não acessível. Eu tão perto ... mas não acessível. Às vezes nem para mim mesma eu sou acessível.

Minha caneta ficou dentro de gavetas por 17 anos. Foram várias gavetas em diferentes casas, cidades e países. Minha orientadora de mestrado me presenteou a caneta prateada com a ponta dourada em 1998. Fiquei comovida com o presente. A caneta veio em um estojo de luxo de veludo cinza. Guardei para usá-la em ocasiões especiais. Quando eu precisasse assinar algo importante, ou escrever uma carta para alguém importante. Pensei em usá-la para assinar a minha certidão de casamento. Casei em 2000 e esqueci. Assinei várias coisas importantes com outras canetas e não escrevi cartas à mão para ninguém. Dentro do seu estojo confortável e luxuoso ela me fazia companhia. Tinha medo de perde-la e por isso não a levava na bolsa. Quando eu comecei a dar aulas como professora da universidade em 2006 eu decidi que eu precisava ter uma boa caneta na bolsa para impressionar, a tirei do estojo e a levei comigo. Nesse dia uma aluna esquece a caneta e me pede uma caneta emprestada. Eu paralisei. Ela iria usar a minha caneta prateada com ponta dourada antes de mim! Com um sorriso absolutamente sem graça, eu tiro a minha caneta da bolsa e lhe estendo, nesse instante outra aluna lhe oferece uma caneta bic. Ela olha a elegância prateada da minha caneta e intimidada aceita a bic da sua colega. Fiquei aliviada. Quando cheguei em casa eu a deitei novamente dentro de seu estojo de veludo macio e a coloquei segura dentro da gaveta. Sua beleza e elegância também me intimidava. Eu não a via como uma caneta da vida ordinária. Mas não tinha nada melhor para oferecer-lhe.

Na última mudança de casa, a caneta subiu do hemisfério sul para o norte. Quando a desempacotei, tratei de acomodá-la no seu estojo em uma gaveta na mesa onde eu escrevo. No hemisfério sul comecei a escrever e desenhar mais. Lápis e canetas passaram a ter um valor especial para mim diariamente. Comprei uma bolsinha confortável para acomodá-los. Não saía mais de casa sem a minha bolsinha de canetas. Experimentei várias canetas de cores diferentes em escritos dolorosos, engraçados, ridículos, tristes, paspalhões, descritivos, narrativos, comoventes. Um dia, em Junho, eu lembrei da minha caneta prateada de ponta dourada. A tirei do seu estojo luxuoso. Escrevi uma frase com ela. Não pude acreditar que mesmo depois de 17 anos, sem nunca ter sido usada, quando eu a rodei para sua ponta aparecer e com cuidado a coloquei no papel para escrever uma frase, ela deslizou. Não estava dura, travada, com a tinta envelhecida. Não. Ela escreveu macio, fino, preciso. Parecia que sempre esteve lá pronta, de prontidão, a minha espera. Depois escrevi um sonho com ela. Depois escrevi uma receita de bolo de chocolate feito com farinha de amêndoas. Depois escrevi um conto. Depois escrevi sobre uma velha que vi na rua. Depois eu não conseguia mais usar outra caneta.

Nossa intimidade só tem um mês! Não posso perde-la. Passamos o final de semana mágico juntas escrevendo indagações para o texto da Edith Pearlman. Sou grata pelo veludo da sua tinta, a maciez de sua esfera e a precisão do traço no meu ‘r’ ‘s’ ‘m’ ‘p’. A sua tinta azul marinho é pacífica. O metal de seu corpo me esfria e aquece os dedos. Com o peso na extremidade, ela repousava inclinada dentro do círculo feito pelo meu indicador e polegar direitos. Ali encaixada na almofada do meu polegar ela deslizava no papel. Sua tinta não falhava mesmo quando escrevia deitada na cama. Preciso encontrar um jeito de resgatá-la. Me sinto ridícula. E se fosse um cordão de ouro? Ou a chave da casa? Ou a única foto da mãe morta? Ou a única prova de DNA do filho desaparecido? Me sentiria diferente? Quais os objetos são mais importantes?

Eu posso escrever com outra caneta. Eu posso tentar comprar outra caneta igual. Eu posso deixar ir e lamentar a minha perda. Posso. Mas não quero.

Tenho outras escolhas que posso fazer. Enxergo as minhas circunstâncias.

Vou deixar a caneta ficar por agora. Vou pedir ajuda. Vou traçar um plano de resgate. Vou acreditar na sua volta. Não na sua volta mágica. Mas na volta produzida pelo meu esforço. Na volta desejada e buscada.

Ontem, depois de seis dias, voltei ao banco da praça modernista com meu marido e filho, equipados com nossas mentes criativas e mãos competentes, imãs potentes, fios, uma trena metálica e lanternas do celular. Ela estava caída no mesmo lugar com folhas secas em volta. Havia tomado chuva e sol. Foram trinta minutos de movimentos e trocas de informações entre meu parceiro no resgate e eu. Ao final a caneta estava de volta na minha mão e eu não pude esperar para escrever no meu caderno de numero 4! 


Atul Gawande & Roz Chast: A nossa sorte de ficarmos gagás e incontinentes

O celular tocou. Sempre olho para saber quem é antes de intencionalmente dizer “alô!” Era a minha irmã Maria. Quando é ela no meu visor eu atendo imediatamente. Maria mora com papai e é sua principal cuidadora. Eu sabia que papai, de 87 anos, diagnosticado com Alzheimer há 15 anos, com outras demências não especificadas, de corpo fragilizado e sem controle de suas funções básicas, estava hospitalizado com febre. Com voz aflita ela me conta que no hospital da Unimed, em Belém,  onde papai estava internado recuperando-se de uma pneumonia por aspiração de alimentos, o médico havia instalado uma sonda alimentar gastro-nasal e estava assinando os documentos para a liberação do paciente para cuidados em casa. Mas Maria, seguindo o que nós filhos havíamos decidido, recusou levá-lo para casa com aquela sonda e ainda  solicitou o serviço de “home-care” para acompanhar a recuperação do meu pai em casa. O médico responsável recusou remover a sonda, ameaçou de convocar o Ministério Público e chamar a polícia para prender a minha irmã por “maus tratos” a um idoso. Mais do que nervosa com a estúpida ameaça de alguém que, naquele momento, tem um status de poder [o tal médico], ela estava absolutamente enfurecida pelo golpe de acusá-la de mau tratar alguém.

Ilustração de Roz Chast - sua mãe dizendo "sai daqui!" para a morte.

Levou horas, mas a situação foi resolvida com a Unimed liberando meu pai sem a sonda para casa e com o serviço do “home care.” A minha irmã em estado de choque precisou ser medicada. Apesar da minha insistência, ela não quis processar o tal médico por abuso de poder, coerção, humilhação pública e mais muitos outros desrespeitos que poderiam ser listados.

Esse acontecimento me fez pensar no trato que damos ao envelhecer. Muitas perguntas surgem.

Quem tem o direito de decidir pelos velhos como tratar seus últimos dias de vida?

Onde a qualidade da vida estanca e onde começa a tortura do prolongamento da manutenção da vida biológica?

A prioridade deve estar na doença intratável ou na vida que resta?

Essa última pergunta foi o quê marcou a diferença entre o tal médico e Maria. O tal médico tinha seu foco no tratamento do problema sem preocupar-se com a implicação que teria para  a qualidade da vida que resta. O foco da Maria estava na dignidade da vida que se esvazia. Ao meu ver, não há necessidade de haver zona de guerra entre família de idosos incapacitados e médicos sobre as escolhas éticas de como viver a vida no seu final. Ao meu ver, há uma necessidade da medicina de se humanizar e oferecer opções de assistência domiciliar como serviço público de atendimento.

Maria, falando pela família, recusou a implantação da sonda porque isso implicaria manter meu pai amarrado na cama o dia todo para que ele não retirasse o dispositivo implantado no seu nariz. Suas mãos já estavam inchadas pelo esforço que ele fez no hospital para se livrar das amarras. Caso ele removesse a sonda, ele precisaria ser levado ao hospital para através do raio x conseguir reimplantá-la no lugar certo. A sonda lhe doía enormemente o nariz e a garganta. A sonda deveria ser manuseada em ambiente de total esterilidade para evitar infecções. A sonda não garantiria que ele não teria outras infecções. E para mim o mais importante dos motivos foi, ele havia pedido para ir para casa porque ele queria tomar café e comer peixe frito. Ele não poderia nunca mais comer alimentos com a sonda. Mesmo explicando seus motivos, o tal médico recusava-se a enxergar o outro lado.

Porque a medicina precisa impor às famílias como zelar pela vida no seu final?

Prefiro ver meu pai em seus últimos dias de vida desamarrado, ouvindo as vozes dos que estão sempre perto dele e ainda sentindo o prazer da comida na sua boca. O corpo ainda é do meu pai, e o corpo dele não deve ser violado pelos instrumentos médicos se ele ou a família não desejarem.

Maria além de cuidadora de meu pai, trabalha oito horas por dia em um emprego que lhe demanda grande atenção e dedicação. Lembro que minha mãe cuidou de sua mãe idosa e de sua sogra. Minha mãe trabalhava em casa cuidando de cinco filhos, marido, enteado. O cuidado de mais um se encaixava na sua rotina. Mas a minha geração tem empregos em escritórios, salões, bancos, empresas, laboratórios, construções, restaurantes, padarias, livrarias, salas de aula, lojas, galerias, ateliês, teatros. Meus irmãos e irmãs, todos trabalham, todos tem suas preocupações com suas famílias, todos tem suas necessidades de buscar descanso e lazer. Como cuidar de nossos velhos incapacitados quando vivemos sobrecarregados com vida do trabalho? Principalmente, como pagar para cuidar de nossos idosos se não trabalharmos? Mesmo com o trabalho, o custo com enfermeiras, cuidadoras, aluguel de equipamentos hospitalares, remédios, fraldas, etc, é muito alto. Economistas dizem que o custo de cuidados com os idosos é de R$ 144.000,00 por ano (ver aqui) Como sustentar isso? A aposentadoria do meu pai de R$ 800,00 mensais não cobre metade dos gastos na farmácia.

Este parece ser um grande desafio para a minha geração. A promessa dos nossos tempos de vida longa aos nossos pais e a nós aconteceu, mas a nossa flexibilidade de estar disponível para oferecer cuidados foi extinta. O custo é alto e o fardo é imenso.

Assim como nós, meu pai não tinha a intenção de ser fardo para ninguém. Mas não houve outra opção para ele. Em Belém não há serviços de “casas de repouso” para cuidar de idosos e se houvesse os custos são inimagináveis. Nas cidades em que há tais serviços, a mensalidade está em torno de R$ 3.500,00 além dos custos com fraldas, remédios, etc. Impossível para as famílias! Será que haverá opções para nós? Que programas estamos construindo para nos assistir na velhice?

Eu falo no plural porque o problema não é individual, de cada um cuidar de si. Mas, é um problema social. Precisamos encontrar soluções para todos nós sobre como cuidar de nossa velhice, assim como precisamos encontrar soluções coletivas para salvar o planeta.

Recentemente, eu li dois livros muito interessantes sobre o assunto. O primeiro do médico cirurgião Atul Gawande, de origem indiana mas que reside em Boston, EUA, com o título de “MORTAIS: Nós, a medicina e o que realmente importa no final.” No livro, Gawande discute exatamente o problema vivido por Maria com o tal médico e aconselha com profundo candor e grande eloquência de seu extenso conhecimento que os médicos precisam escutar seus pacientes e suas famílias, precisam lidar com suas próprias angústias com a morte e, ainda, que não há nada de errôneo em administrar tratamentos paliativos para dignificar a vida em seu final. Gawande escreve o livro a partir da experiência de morte de seu pai, um também cirurgião, que recusou tratamento para um tumor na coluna vertebral.

Outro livro, que infelizmente ainda não chegou no Brazil, que desnuda as nossas culpas, conflitos, remorsos, desgostos, impaciência, amor, dedicação e compaixão ao cuidar de nossos pais idosos, gagás, incontinentes é o livro da cartunista Roz Chast, do New York Times, intitulado “CAN’T WE TALK ABOUT SOMETHING MORE PLEASANT?” (Podemos falar de algo mais prazeroso?). Roz conta de seu próprio calvário ao precisar cuidar de seus pais de 95 e 97 anos. Revela seu desconforto de precisar cuidar da mãe que nunca lhe demonstrou amor e do pai paranoico e totalmente escravizado no domínio da mãe. Um livro em que cada cartoon desenhado é uma mensagem para além da superfície da pele. O final do livro, quando a mãe de Roz morre, ela não sabe o que fazer e desenha a mãe. Um livro que quando eu li eu tive que parar várias vezes para enxugar os olhos e não deixar as lágrimas marcarem as páginas, afinal era um livro emprestado da biblioteca.

momento em que a mãe de Roz morre.

Desenho que Roz fez da mãe minutos depois de morrer.

Toda essa reflexão me faz pensar sobre a minha velhice.

Considerando que teremos a sorte de ficarmos gagás e incontinentes, tu sabes como queres viver teus últimos dias?

Estou interessada em ouvir e trabalhar em opções de velhice dignificada. Alguma ideia?

Vida longa e boa semana a todos!


Elena Ferrante e Malala - Livros para um mundo amoroso

Professora Oliviero: “Você sabe o que é a plebe, Greco?”

Elena Greco: “Sim, o povo, a tribuna de pessoas no governo Gracchi.”

Professora Oliviero: “A plebe é uma coisa completamente desagradável.”

Elena Greco: “Sim.”

Professora Oliviero: “E se alguém deseja permanecer plebe, ele, seus filhos e os filhos de seus filhos não merecem nada. Esqueça a Cerullo e pense em você mesma.”

Ilustração de Francesca Agiolillo

Este diálogo marca talvez o ponto onde as vidas de Elena Greco (chamada de Lenuccia ou Lenú) e Rafaella Cerullo (chamada de Lina por todos, e Lila por Elena) distanciam-se de forma imprevisível para ambas, sem, contudo, inibir as conexões forjadas na vizinhança pobre e violenta de uma baixada napolitana do pós guerra experimentadas pelas amigas Elena e Lila no livro “A Amiga Genial” de Elena Ferrante.

O livro, primeiro de uma série de quatro, é narrado na voz de Elena que logo no inicio do livro introduz dois temas que são caros na narrativa de Ferrante: conexões, fraturas e literatura & mitos femininos (maternidade, por exemplo). O livro começa com o filho de Lila ligando para Elena dizendo que sua mãe, neste momento aos sessenta e seis anos, desapareceu sem deixar vestígios. Elena se aborrece com a falta de astúcia, inteligência e tutano no filho de Lila e diz a ele para “por favor, uma vez na vida comporte-se com ela gostaria: não procure por ela. [...] Aprenda a ficar em pé com suas próprias pernas e não me ligue mais.” E brava com mais um ato de desafio de Lila ao destino, dessa vez fraturando sua conexão na tentativa de apagar o rastro de sua vida, Elena inicia a escrever narrando a estória das duas lançando a aposta “Vamos ver que ganhará desta vez.” Com a estória contada através do registro escrito, Ferrante então nos diz que a literatura tem o papel de preservação de nossa continuidade e existência. Ela usa da literatura para contar a estória dessas duas personagens femininas revelando as complexidades dos clichés aprisionantes dos papéis domésticos e maternos.

Ilustração Heloiza Barbosa

Em uma vizinhança miserável onde espancamentos de filhos, surras em mulheres, agiotagem, poder imposto pela força e pelo dinheiro, brigas com facas e outras armas, faz parte da rotina, Elena e Lila tornaram-se amigas e essa amizade influenciou o destino das duas. Elena Greco, é a filha mais velha de um contínuo da prefeitura que tenta sustentar a sua família de quatro filhos e a esposa com seu ínfimo salario. Lila é filha do sapateiro e irmã mais nova de Rino. Logo no inicio do livro, Elena Ferrante oferece um índice dos inúmeros personagens que farão parte de seus quatro livros, serão nove famílias e mais outras figuras que estarão presente nesta saga romanesca da vizinhança pobre de Nápoles.

Lila é descrita na narrativa memorialística de Elena como determinada, ágil, corajosa, perspicaz, inteligente, magra, mordaz, bonita desde a tenra infância. Elena descreve a si própria como aplicada, esforçada, dedicada, gordinha, com espinhas e sem charme. A inteligência e rapidez de pensamento que para Lila parece acontecer sem esforço, para Elena, contrariamente, demanda muita energia, atenção e dedicação. Os professores da escola do primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª á 5ª séries) dessas crianças da vizinhança logo se encantam com os dotes de Lila. Elena, com ciúmes da atenção dos professores à Lila, esforça-se para ser notada. Essa rivalidade é uma das marcas da amizade entre as duas. Nenhuma das duas meninas sabem o que acontece depois da 5ª série, não é esperado que as duas prossigam na escola depois dessa série. Mas a professora Oliviero, investe no potencial das meninas. As duas precisam fazer um teste de admissão para o segundo ciclo. É necessário aulas de reforço particulares para preparem as duas para o teste. Mesmo com a fúria da mãe e a contrariedade do pai, o pai de Elena concorda em pagar pelas aulas. O pai e a mãe de Lila se recusam violentamente, mesmo com o apelo da professora, que raivosamente diz a Elena o que será o destino de Lila: ser plebe. Será?

Elena avança nos estudos com dificuldades. Recebe ajuda especial de Lila, que mesmo fora da escola não abandona seu amor pelos livros. Elena termina o segundo ciclo. Nada conhece do que existe depois da 9ª série. Não acredita na sua sorte quando mais uma vez a Professora Oliviero convenceu seus pais de que ela precisa continuar a estudar e que ela, a professora, ajudará com as despesas dos livros do ensino médio. Elena continua no ensino médio. Lila inventa um rumo diferente à sua vida. Elena descreve Lila como genial, mas é da boca de Lila que ouvimos “Você é minha amiga genial, você deve ser a melhor de todos, meninos e meninas.” Quem será a amiga genial dessa estória? A que com esforço e dedicação constrói uma alternativa de vida para além das fronteiras limitantes do bairro miserável? Ou, a que fez uma limonada com os limões que a vida lhe deu? Ou as duas juntas, pois uma só existe por causa da outra?

Ferrante escreve o livro com uma honestidade nua de floreios, mas com uma sensibilidade para as dores da miséria de grandiosa beleza. A ligação entre a miséria do bairro napolitano e qualquer outro bairro pobre de qualquer outro lugar do mundo pode ser estabelecida imediatamente. As pessoas que no Brasil lutaram imensamente para terem acesso ao ensino universitário, por exemplo, terão empatia com a culpa e o sofrimento de Elena. Culpa de sentir-se distanciando-se das pessoas do bairro a cada mais tempo que passa nutrindo conhecimentos em sua mente e expandindo suas fronteiras culturais. Sofrimento porque ela não pode salvar Lila da opressão da pobreza.

A discussão do papel da formação acadêmica cultural para uma sociedade equilibrada e feliz está presente no livro de Elena Ferrante. Em um trecho sobre um artigo que Elena escreveu e tirou nota máxima do professor de Latim, após discutir com Lila a tragédia de Dido (apelido da rainha Elissa de Cartago na África) que destrói a terra e morre porque não tem o amor de seu amante, fica clara a intenção da escritora de nos levar a questionar os mecanismos da formação cultural do homem.

“Professora Galiani, uma mulher altamente admirada mas temida, porque ela poderia desmantelar qualquer argumento sem uma sólida base, parou-me nos corredores da escola para falar com particular admiração sobre a ideia, central ao meu artigo, que se o amor for exilado das cidades, a natureza benevolente das mesma torna-se maléfica. Ela perguntou-me:

“ O quê ‘uma cidade sem amor’ significa para você?”

“ Uma pessoa privada de felicidade.”

“ Dê-me um exemplo.”

Eu logo pensei das conversas eu tinha tido com a Lila e o Pasquale [menino militante do bairro pobre] em Setembro e rapidamente eu senti que eles eram a verdadeira escola, mais verdadeira que a escola que eu ia todos os dias.

“ Itália sob o domínio facista, Alemanha sob o domínio nazista, todos nós seres humanos no mundo hoje.” ***

E aqui a autora novamente complica a nossa vida. Quando pensamos que ela escreverá sobre como a escola pode salvar o mundo, ela nos diz através do pensamento de Elena que as ideias de seus amigos da baixada são mais verdadeiras do que as coisas que ela aprende na escola. Talvez alguém pode encarar isso até como uma obviedade, mas o que é interessante na narrativa do livro é a tensão entre uma ideia de educação e uma ideia de formação. Ferrante não se coloca contra uma formação intelectual, mas ela alarga o conceito. Podemos ler nas entrelinhas de Ferrante a ideia de formação como um conceito mais ampliado dentro do qual está a escola, mas também está a cidade, está a arte, a ética, a estética. Neste sentido, podemos dizer que as novelas napolitanas de Elena Ferrante são romances de formação.

A minha identificação com o livro “Minha Amiga Genial” de Elena Ferrante é direta e imensa. Eu nasci em um bairro miserável da periferia de Belém, no Pará. Sou filha de um marceneiro analfabeto e de uma mãe lavadeira, também analfabeta. Não foi a escola sozinha que me fez sair da profecia feia, discordante e sem sentido da pobreza, mas foram também as aulas de teatro; a vivência com programas de artes do governo; as oportunidades de ler livros em bibliotecas públicas, de ver concertos de músicas gratuitos em programas culturais; as chances de participar de debates públicos gratuitos sobre comportamentos, valores, política; as possibilidades de trabalhar sob a supervisão de profissionais experientes, dialogar, trocar ideias e experiências; a existência da “meia-passagem” nos ônibus para ir e vir (imagina só se o passe fosse livre, como seria magnífico!); ir ao cinema gratuito nem que fosse só uma vez por mês; como também, os espaços democráticos de lazer com segurança nos parques e praças da cidade. Uma cidade com amor (amor = cuidado, zelo, atenção) faz seus habitantes florescerem. Isso é um projeto urbano de formação humana.

Mas parece que no Brasil estamos caminhando para a direção oposta à este projeto de formação humana urbano. Foi com tristeza, raiva, indignação que eu li no excelente blog Todoprosa do escritor Sérgio Rodrigues, que o governo federal e governos estaduais, como no caso do governo do estado de São Paulo, suspenderam a compra de milhões de livros didáticos e literários para as escolas e bibliotecas, e desde de 2013 estas instituições não recebem os livros tão essenciais. Mas como o cinismo na política é desmedido, ao mesmo tempo que o governo corta o orçamento dedicado aos livros, o Ministério da Cultura pretende lançar mais uma campanha arrogante, sem graça e pífia de estímulo à leitura. O fato motivador da campanha, segundo o ministro da cultura Juca Ferreira, é que o brasileiro lê 1,7 livro por ano, número absolutamente vergonhoso. Sim, sem dúvida alguma, uma vergonha!

Mas, ainda mais vergonhoso é o índice mencionado por Sérgio Rodrigues de analfabetismo funcional – a pessoa que lê um texto simples e consegue interpretá-lo apenas minimamente – do Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf), da ONG Ação Afirmativa e do Instituto Paulo Montenegro, que Sérgio interpreta da seguinte forma:

Atenção para a obscenidade: apenas um em quatro (!) brasileiros pode ser considerado plenamente alfabetizado. De cada três universitários, um não tem alfabetização plena (!!).”

Então, diante desses números vexatórios, eu encho meu espirito com as palavras de Elena Ferrante:

“Quando não há amor, não somente a vida das pessoas torna-se estéril, mas também a vida das cidades.”

Esta semana, Malala, Premio Nobel da Paz, que completou 18 anos lançou a seguinte campanha no twitter  #BooksNotBullets  (#LivrosNãoBalas), onde ela pediu que pessoas postassem fotos com seus livros prediletos. Malala sabe que uma poderosa força para a construção de uma sociedade forte, feliz e segura está na formação cultural de seu povo.

 

Uma transcende leitura de “A Amiga Genial” para todos! Beijos e até semana que vem.

*** Minha tradução da publicação em Inglês  My Brilliant Friend

Raiva, Indignação .... Elena Ferrante 1

A manobra golpista do presidente da câmara federal, Eduardo Cunha do PMDB, para passar a redução da maioridade penal foi indignante! Repugnante! Foi um ato de grave ofensa aos princípios legítimos democráticos. E agente tem que continuar a vida no dia seguinte engolindo a nossa indignação e desobstruindo a vista para enxergar com claridade onde podemos colocar os nossos pés.

Assusto-me com a caretice e a cretinice que tomou conta de uma grande parcela da população brasileira. Assusto-me com a falta de densidade histórica que poderia nos ajudar a eleger melhor nossos representantes políticos. Mas por outro lado, porque me assusto com esta falta? Essa falta foi decorrente de um plano articulado e executado. Agora colhemos frutos. Meus pais, ambos nascidos na década de 1930 não sabem ler ou escrever, nunca foram à escola, jamais usufruíram do prazer da companhia de um livro. Não havia interesse do Brasil em educar-lhes o espírito e o intelecto; meus pais eram dois em um oceano sem fim de uma massa não educada. Parte de um plano.

Cresci e tornei-me professora universitária. E a cada ano arrepiava-me com uma pequena estatística que fazia ao perguntar aos meus alunos se eles eram a primeira geração de sua família a chegar à universidade. A esmagadora maioria em 2015 é a primeira geração. O plano continua em execução porque funcionou.

Ainda não sabe-se ler no Brasil, não sabe-se compreender as articulações fascistas, ou discernir os atentados `a nossa frágil democracia. A população que não foi respeitada ou encorajada à pensar fazendo conexões e conjecturas próprias agora é facilmente hipnotizada pela informação que ouve sem desconfiar que há jogos de discursos e obscurações de fatos. O que hoje os políticos brasileiros de direita facista querem nos dar é prisão em vez de educação, arte, cultura, trabalho. E, sem possibilidade de articular os desejos ou pensamentos, a massa não educada aceita a imposição autoritária. “Tudo um dia vai melhorar,” dizia a minha mãe que não queria se perder na desesperança.

A raiva e a indignação que hoje eu sinto pelos golpistas, militantes da desumanização, autoritários, facistas políticos brasileiros é ecoada na literatura pela escrita de uma raivosa escritora (ou escritor) italiana chamada Elena Ferrante. Ninguém sabe a identidade de Elena Ferrante, se é homem ou mulher. No anonimato, Elena Ferrante quer promover as suas estórias e não a sua pessoa. É o criar sem ego, sem entrevistas, sem fotos em jornais, sem paparicos pessoais.

Elena Ferrante escreveu recentemente quatro livros de sua novela Napolitana. Três desse livros já foram lançados nos EUA. O primeiro livro com titulo de “A Amiga Genial” foi publicado este mês no Brasil pela Biblioteca Azul.

Quando eu comecei a ler Elena Ferrante, foi impossível parar. Por quase três meses eu só li seus livros. Todos que pude ter acesso. Sua narrativa é de raiva e candor na mesma dose. Suas palavras são visceralmente honestas. Seus personagens são próximos à nossa pele.

Em “A Amiga Genial,” Elena Ferrante, inicia a contar a estória de amizade, amor, crescimento de Lina Cerullo e Elena Greco, duas meninas que viveram na pobreza napolitana durante o facismo de Mussolini. É impossível não conectar a pobreza de Nápoles na Itália com a de Belém na Amazônia ou a do Rio de Janeiro. Como já dizia Arnaldo Antunes na música gravada pelos Titãs, “Miséria é miséria em qualquer canto. Riquezas são diferentes.”

Eu não quero dizer mais de Elena Ferrante por agora, eu quero sentir o eco de sua lúcida raiva trazendo compaixão ao meu peito. Na próxima semana eu vou falar mais em detalhes da novelas napolitana de Elena Ferrante. Por agora, vai, compra, empresta, pede para alguém o livro e começa a ler. Provavelmente, você acabará de ler antes da próxima postagem do blog.

Para dar água na boca, aqui vai um link para um trecho do livro de Elena Ferrante. Aproveita!

A Festa da Insignificância - Milan Kundera

A Festa da Insignificância 

Alguns livros europeus chegam primeiro no mercado brasileiro e muito depois no mercado americano. Isso aconteceu com o último livro de Milan Kundera, “A Festa da Insignificância” que foi lançado em 2013 na Europa, foi publicado no Brasil em 2014 e só agora, em 2015 chegou nos EUA. Mesmo desapontada com o atraso de ler um livro daquele que foi um dos meus escritores prediletos durante os meus dezoito e vinte-e-poucos anos, fico eufórica esperando para a surpresa que ele me prepara. Os livros do escritor Milan Kundera sempre foram generosos em suas doses de surpresa, provocação e inquietação com a diluída separação ente literatura e filosofia que o autor professa.

Com dezoito anos li e reli incontáveis vezes o memorável “A Insustentável Leveza do Ser,” seu livro de maior repercussão, encantando-me com a descoberta da política nos nossos corpos, sexo, amores. Gostaria de atingir a leveza de Sabina, mas recuei ao sentir a dor de sua existência sem vinculação a nada e a ninguém. Encantei-me cm Teresa e a sua palpável vulnerabilidade. Experimentei o peso e o leve eternamente retornando, sendo re-sentido, como dizia Nietzsche.

Afirmei minha oposição ao aprisionamento dos casamentos e suas ilusões e mal entendido em seu outro livro “Risíveis Amores.”

Hoje sou casada, tenho muitos vínculos com muitas coisas e pessoas, mas as palavras de Kundera, insuflando meu pensamento com indagações em imagens absolutamente envolventes de sua narrativa, ainda são uma predileção minha.

Eu li o seu recente livro traduzido para o inglês, e por aqui o titulo recebido foi “The Festival of Insignificance,” eu particularmente prefiro a palavra “festival” no título em inglês do que a palavra “festa” do título brasileiro. Junto com “festival” vem a ideia de um arraial de coisas, é mais plural, e é justamente isso que este último livro de Kundera me parece ser. Com oitenta-e-seis anos, o autor escreve um livro leve, poucas páginas, com humor, deboche, escracho (comedido), uma mistureba inteligente de várias coisas e longe de suas ambiciosas obras do passado.

Na “Festa da Insignificância,” Kundera narra a interação de seus personagens em parques, em seus apartamentos em Paris, narra seus delírios, e até mesmo coloca-se na estória como o “mestre” que inventa os personagens e determina o que eles falam e onde eles falam. Todos estão dentro da festa, ou festival, o grande espetáculo da natureza humana.

E nessa festa, ou festival, a certeza é uma fantasia entretida. Todos os personagens questionam-se sobre tudo e ninguém se filia à nenhuma convenção. Um dos personagens mais velhos, por exemplo, se delicia com a fato de que quando você fica velho cada aniversario é uma dupla comemoração: da distancia do seu nascimento e da aproximação da morte. Esse mesmo personagem perversamente brinca com a morte ao contar para os amigos que tem câncer, embora seus exames atestaram negativo e ele está perfeitamente saudável. Eu acho que esse foi o jeito de Kundera em dizer que sabedoria não é uma condição automática da idade; mesmo velhos ainda somos e fazemos coisas estúpidas. 

Nessa semana, eu estou pensando muito que nós, de fato, existimos entre os paradoxos. E minha surpresa foi enorme em identificar que o autor preferido da minha juventude também brincou com essa ideia. Ele narra como uma mulher inteligente se sente atraída por uma conversa entediante e banal de um sedutor de carteirinha. Um outro personagem é fascinado pelo jeito que uma pessoa relata de forma alegre a dolorosa morte de um conhecido em comum. Ele também conta que o ditador Stalin ficou comovido com a dor de bexiga de um funcionário e nomeou uma cidade com o nome dessa pessoa. Ele narra o sentimento de profunda aproximação de duas pessoas que não falam uma mesma língua. Paradoxos como estes – chatice/apelo erótico; morte/alegria; ditadores/piedade com pequenas dores; ausência de linguagem/aproximação – são estímulos interessantes da brincadeira deste autor.

Em “A Festa da Insignificância” Kundera não está preocupado em definir posições, ou em marcar o apogeu de sua carreira aos  86 anos. Ele está interessado em divertir-se ou ficar perplexo com as insignificâncias. Talvez isso já seja uma posição, não convencional, mas é. Eu, por exemplo, fiquei  muito intrigada pela divagação insignificante de Alain sobre o umbigo ser uma parte do corpo feminino mais erótico para ele. Não há nada de profundamente sério nessa divagação. Como também fiquei perturbada e comovida com a imaginação da possível tentativa de suicídio de sua mãe por afogamento, matando por sua vez o jovem que tentou salva-la, e, tornando possível o nascimento de Alain, o qual mesmo assim foi  abandonado pela mãe que nunca desejou seu nascimento.

No livro há espaços para essas divagações mesmo que perturbadoras. Há espaço para o pensar ocioso. Qual é mesmo o valor das insignificâncias?

 

 

Montaigne, Schopenhauer, Russell, Walter Benjamin - E o Respeito ao Tédio

Meu marido chegou em casa do trabalho, beijou-me e perguntou, “Como foi o dia? O que você fez?” Eu dei uma resposta rápida, “Foi bom. Fiz isso e aquilo, mais nada produtivo...”

Aquele “nada produtivo” ficou na minha cabeça latejando. Parei para pensar o que eu tinha feito durante o dia e escrevi o seguinte texto no meu diário:

" Nada. Visitei o site de várias universidades a procura de emprego...só...imprimi alguns anúncios de trabalho... depois matriculei o Xico na natação verificando o horário para não chocar com as aulas de saxofone, uma oficina de criação de objetos que ele faz e as aulas de desenho...e, nada... matriculei o Xico também no tênis e precisei mudar a aula de desenho de horário...foi só... escrevi três cartas de apresentação para os empregos e re-organizei meu curriculum-vitae... mas foi só isso... respondi e-mails de sobrinho que quer emagrecer, de mães que querem marcar play-dates para o fim de semana, de amigos que querem dizer oi e saber das novidades ... fiz nada mais... fui para yoga e almocei...só... tomei um chá... Xico voltou da escola as 2:45 da tarde e me conta do dia... lhe preparei um lanche ... nada além disso ... conversei com o Xico e disse que hoje, excepcionalmente, ele vai ter uma aula longa de saxofone ... mais realmente foi só isso que fiz ... levei o Xico para a aula de saxofone ... fui ao mercado comprar ingredientes para a janta ... passo na academia para malhar por vinte minutos, melhor do que nada ... busco o Xico na aula de saxofone ... levo para aula de matemática ... corro para casa para tomar banho ... foi só ... aí eu começo preparar o jantar, ravióli de espinafre e queijo gorgonzola com pêsto de manjericão, salada de alface e repolho roxo ralado com molho de gergelim e iogurte, brócolis ao alho e óleo ... vou buscar o Xico na aula de matemática ... marido volta do trabalho ... me beija, me pergunta do meu dia ... nada... pergunto do dia dele ... escuto de reuniões, de tensões com a data de entrega de um protótipo, de ansiedades com o novo engenheiro ... mais foi realmente só isso e mais nada ... ligo para a minha irmã ... meu pai continua internado na UTI, mas parece responder bem aos antibióticos ... falo de coisas engraçadas para distraí-la ... e nada mais ... tenho quatro New Yorkers acumuladas para ler ... tenho dois contos para ler e comentar para a minha aula ...vou para a cama dar conta das minhas leituras ... mais foi só isso. Não fiz nada."

Meu dia cheio até a boca de tarefas e cuidados e eu me culpando porque não fui produtiva!

O meu dia cheio de falsos nadas foi verdadeiramente cheio de medos do vazio. A exigência da produtividade incessante preenche os espaços e eu me perco na geografia desse território, e não reconheço a mim. O que conta como um dia produtivo?

Parece que há um acordo que se ocupar com as tarefas de cuidado não contam como algo relevante, é um nada. Ou ainda, que o  ócio, o tédio, o ficar de bobeira, o ruminar ideias, o cultivar pensamentos criativos, o meditar, o criar estórias, o refletir é luxo ou perda de tempo. Por que absorvemos estas ideias e nos cobramos?

Eu acredito que o tédio não é somente um sentimento adaptativo, mas vital ao ser humano. Incluído no tédio estão as faculdades de aquietar-se, silenciar-se, observar, atentar, refletir, todas essenciais para o corpo, a mente, as ciências e as artes em igual medida. Por que nos tornamos estranhos ao tédio, ao ócio, à reflexão?

Eu estava lendo a biografia de Jane Goodall, primatologista inglesa, e é notório que o importante trabalho científico dela exigiu o desenvolvimento de uma enorme capacidade para longas horas em silêncio, agachada, observando os chinpanzés e refletindo sobre seus comportamentos.

Mas já Arthur Schopenhouer, filósofo alemão do século dezenove, dizia das dores da vida esvaziada causadas pelo tédio e pelas atividades entediantes. Aliás ele dizia que para os que tinham dinheiro, o tédio era mais uma pequena chatice que seria eliminada com novas excitações, para os sem dinheiro, o tédio era uma verdadeira dor de uma vida sem sentido. Ele tem uma certa razão! Para uma classe social o ócio é luxo, para outra é o vazio de uma vida sem propósito. O tédio e o ócio podem ser forças construtivas e destrutivas.

Minha mãe falava sem parar que “cabeça vazia é oficina do diabo.”

Montaigne, o filósofo “blogueiro” do século dezesseis, em seu livro “Os Ensaios” escreveu um ensaio chamado “Sobre a Ociosidade” e lá Montaigne admite que para o ócio ser expansivo da alma humana é preciso certas direções e objetivos do espirito. Do contrario, alerta Montaigne

“ se não ocupamos [os espíritos] em certos assuntos que os refreie e contenha, atiram-se desregrados, para cá e para lá, no vago campo das imaginações. [...] A alma que não tem objetivo estabelecido se perde, pois, como se diz, estar em toda a parte é não estar em lugar nenhum.”

Bertrand Russell, filósofo inglês do século vinte, escreveu um livro intitulado “A Conquista da Felicidade” e nele o filósofo argumenta que ser capaz de aguentar e acolher certos momentos de tédio é indispensável para a felicidade, saúde e expansão do pensamento e criações humanas.

 “ Nós vivemos menos no tédio que nossos ancestrais, mas nós somos mais medrosos do tédio. Nós viemos a acreditar que o tédio não é parte da natureza humana, mas algo que pode ser evitado com suficientemente vigorosa busca de excitantes aventuras.” ***

Russell continua falando da necessidade de inserir, sem culpas, momentos de tédio, ócio, reflexões, divagações no nosso dia-a-dia.

“Uma vida muito cheia de aventuras e excitações é uma vida exaustiva. [...] Muita excitação não somente prejudicial à saúde, mas também destrói a sensibilidade do paladar das pessoas para os prazeres, fazendo com que as mesmas confundam prazeres superficiais com profundas orgânicas satisfações, esperteza com sabedoria, e uma aguçada surpresa com beleza [...] Ser capaz de suportar uma certa medida de tédio é, portanto, essencial para uma vida feliz, e é uma das coisas que deveria ser ensinado para as crianças pequenas.”***

Uma das passagens mais lindas que li sobre as mazelas de uma vida sem espaços reservado para o tédio, a imaginação, a contemplação, a reflexão, foi no livro “Iluminações: Ensaios e Reflexão” *** de Walter Benjamin. Nele Benjamin fala que na era da informação ninguém está parando para escutar estórias e que o desaparecimento dessa prática é causado pelo afastamento do tédio de nossas vidas:

“[O] processo de assimilação da estória contada, o qual é profundo, requer um estado de relaxamento que está tornando-se cada vez mais raro.  Sentir o tédio é raríssimo. Se dormir é o apogeu do relaxamento físico, tédio é o apogeu do relaxamento mental. Tédio é o pássaro dos sonhos que fica chocando os ovos da experiência. Seus ninhos – as atividades intimamente associadas com o tédio – já foram extintos das cidades e estão em declínio no campo também. [...] Contar estórias é sempre uma arte de repetir estórias, e esta arte está perdida quando as estórias não são mais retidas. Quando mais desligado das distrações o ouvinte está, mais profundamente o que ele escuta é gravado em sua memória. Quando este ritmo se estabelece, ele escuta as estórias de tal jeito que a capacidade preciosa de reconta-las vem à ele inteiramente. Esta, então, é a natureza da teia com a qual a capacidade de contar estórias é tecida.”***

Se a gente não parar para imaginar, para pensar, para ouvir estórias,  para contar estórias, o quê restará de nós?


*** Tradução minha do texto das obras lidas em Inglês.

Antônio, João, Pedro e Marçal

Na sexta-feira foi dia dos namorados. Mas para mim foi véspera de Santo Antônio. Eu lembro que era com o santo da letra A que iniciava as festas juninas do meu passado de criança.

Chegávamos da escola e a rua já estava toda decorada de bandeirinhas e correntes de revistas coloridas. Depois do almoço e da soneca da tarde íamos buscar madeira para fazer a fogueira. Por sorte, meu pai tinha uma marcenaria, eu e meu irmão não precisávamos ir mais longe do que o fundo do quintal. Aproveitávamos a sorte e a oportunidade para fazer uns trocados escondidos da minha mãe. Se alguém que não fosse conhecido do bairro viesse pedir madeira para fogueira e minha mãe não estivesse por perto, meu irmão e eu cobrávamos um pequena quantia. Minha mãe tinha mania de doar tudo, eu não entendia isso. Trocar objetos por cédulas ou moedas parecia-lhe um pecado. As madeiras das fogueiras da festas juninas não poderiam ser mercadorias de venda no caderno da minha mãe, de jeito nenhum!

Depois da chuva da tarde em Belém, por volta das 4 da tarde, era hora de fazer a fogueira. Minha mãe gostava dessa parte, mais do que ir para a cozinha e preparar o mingau de milho branco, arroz doce, caruru, vatapá, bolo de macaxeira, canjica e paçoca de amendoim. Muitas vezes minhas primas cozinhavam os panelões de mingau e caruru e minha mãe fazia os bolos de macaxeira e canjica, assim ela tinha tempo de trabalhar na fogueira.

Para fazer uma boa fogueira, minha mãe dizia, era preciso separar as madeira e escolher os pedações mais largos e grossos para ficar na base; fazer um retângulo com dois pedaços de madeira paralelos na vertical e horizontal e continuar intercalando os pedaços de madeira com precisão. Sem uma base forte a fogueira cai, o fogo se espalha, pode machucar e se apagar rapidamente. Ah, assim é vida!

Foi fazendo fogueiras para as festas de São João que eu aprendi sobre linhas paralelas, perpendiculares, vertical, horizontal, intercalação, equilíbrio e formas. Mas a minha mãe não usava as palavras da escola quando nos ajudava a fazer fogueiras, apenas mostrava.

Fogueira montada, colocava-se jornais velhos dentro e enchia o resto com os pauzinhos fininhos, era a garantia de acender a fogueira facilmente no anoitecer. Depois de ter a fogueira pronta, era só rezar ou fazer as “maricotas” de papel para não chover.

Minha mãe nunca deixava a gente fazer fogueira muito altas. Mas o Seo Antônio, a Dona Maria, a Dona Dinair e a Dona Osmarina sempre exageravam na altura da fogueira deles e competiam para ver quem fazia a fogueira mais alta da rua. Minha mãe dizia que era preciso ter cuidado para brincar com fogo. Mal sabe ela que eu penso nisso até hoje quando eu sei que estou alargando os meus limites.

Por último vinha a hora de comprar os estalinhos, estrelinhas, chuveirinhos e bombinhas. Ou melhor, era a hora de eu detestar a minha mãe porque ela comprava tudo no diminutivo para criancinhas. A Lena, o Robinson, o Wilsinho, o Ronaldo, a Edna, a Ana Lucia, a Katia, a Soraya, o Junior, o Marquinho e o Rui estavam soltando bombonas e foguetes que explodiam no céu. Minha mãe não se dobrava aos nossos apelos. Mas o que eu realmente detestava era quando algum idiota se queimava com as bombonas e estragava as minhas chances de soltar bombonas no São João. Eles eram todos uns egoístas, só pensavam neles! Minha lógica era torta.

Quando a Voz do Brasil começava no rádio, era hora de acender a fogueira, comer, comer, comer, soltar foguetinhos, dançar quadrilha e passar de fogueira. Novos laços de comadres, compadres, madrinhas, padrinhos, amigos e até noivados eram feitos para o resto do ano todo passando ao lado da fogueira de mãos dadas para lá e para cá, três vezes, dizendo: “Santo Antônio disse, São Pedro confirmou que [fulano] será o meu amor; será minha madrinha; será meu compadre, será minha afilhada; será meu amigo para sempre, que Jesus Cristo mandou!

Na semana seguinte celebrávamos São João e minha mãe ia cedo no mercado do Ver-o-Peso na véspera do dia do santo para comprar as ervas do banho cheiroso. 

Amassava as ervas em baldes ou bacias e deixava de um dia para outro no sereno.

O cheiro doce, amadeirado, perfumado das ervas estava em todas as casas e ruas do bairro. No dia São João todo mundo se banhava em ervas para celebrar o santo das festas.

No dia de São Pedro celebrávamos o quase fim das festas juninas assistindo o final do concurso das quadrilhas e carimbó nos terreiros que aconteciam nas ruas.

Mas eu aguardava com ansiedade o dia de São Marçal, último dia do mês de Junho, quando a minha avó Freda, que tinha potes e mais potes de barro cheios de cascas de abacaxi, gengibre, água e açúcar fermentando durante o mês inteiro, abria os potes e fazia a bebida mais deliciosa do mundo: Aluá. Inebriada de felicidade e aluá eu dava adeus à São João.

Ninguém precisa de namorado quando você tem Antônio, João, Pedro e Marçal para o mês inteiro!

ABIGAIL THOMAS: três cachorros, uma escritora e nós.

Cada um tem seus favoritos dentro de vários gêneros, categorias e classes de coisas e pessoas. Cada um tem travesseiro favorito, comida favorita, jeito favorito de tomar café, roupa favorita para dormir ou para ir a um encontro importante, sapato favorito para caminhar longa distância e outro para ir no cinema, amiga favorita para conversar sobre livros, outra para chorar quando precisa, outra para tomar um chopp e outra para viajar quando pode. Até mãe tem lá seus favoritos entre suas crias.

Eu tenho vários favoritos catalogadas em milhares de categorias. Como eu gosto de fazer listas de qualquer coisa, eu tenho as minhas listas de favoritos espalhadas nos meus inúmeros diários que escrevo por muitos anos. Tem algumas listas que revelam como eu fui adolescente nos anos 80. Eu gosto de olhar de vez em quando as minhas listas de favoritos para saber o quê ainda permanece na lista e o quê foi demovido da lista. Banana Split era a minha comida/sobremesa favorita em 1982, podia imaginar os restos dos meus dias comendo banana split. Em 2013 minha sobremesa favorita é torta de maçã feita pelo meu marido. Porque os nossos favoritos mudam com a gente, eu quero falar de uma autora que é agora a minha favorita: Abigail Thomas.

Eu descobri Abigail Thomas a quase um ano, quando eu fiz um curso curto sobre escrita criativa e meditação. A professora nos deu duas páginas de um texto dela. Para mim foi o suficiente para que eu me apaixonasse por aquelas palavras e voz única. Minhas paixões são obsessivas, então, eu logo estava cercada dos livros da Abigail Thomas. Diferente dos amantes, que além de obsessiva eu sou possessiva, com meus autores favoritos eu tenho um desejo quase incontrolável de dividi-los com todos os amigos e até os inocentes transeuntes que por ventura cruzam meu caminho. Pois eu tenho a convicção de que eles não sabem ainda como a vida deles está perdendo em qualidade porque eles não conhecem o meu autor favorito. Pior do que eu em voluntariar admiração só a minha amiga Marcia, que carrega a sua cópia do livro, mostra para a caixa do supermercado, pede para ela anotar o nome do livro e do autor e faz um resumo da obra em dois minutos, só porque a moça comentou que “no fundo todos nós viemos do mesmo lugar” ou coisa parecida. Eu adoro a paixão generosa dela.

Em abril, eu estava tomando café com uma amiga em Florianopólis, e queria muito que ela conhecesse a Abigail Thomas, mas eu não tinha certeza se seus livros haviam sido publicados no Brasil. Resolvi fazer uma pesquisa e fiquei feliz da vida em saber que seu livro de memórias A Three Dog Life (Uma Vida Entre Três Cachorros) foi publicado pela Editora Planeta em 2007. Porque eu moro em Boston e não tenho acesso aos livros em Português que não existam em versão eletrônica, eu vou apresentar à minha amiga e à todos vocês minha autora americana favorita com trechos do livro dela traduzidos por mim.

Em Uma Vida Entre Três Cachorros Abigail Thomas conta da tragédia que mudou a sua vida de forma inesperada, desesperada e definitiva. E ela começa o livro assim:

“Esta é uma coisa que permanece a mesma: meu marido sofreu um acidente. Tudo mais muda. Um neto precisa de mim e depois não mais. Meus filhos estão próximos e então um se distancia. Eu fumo e não fumo; eu tricoto ponchos, toucas, xales, toucas novamente, paro de tricotar, começo de novo. O relógio faz o seu tic-tac, as estações mudam, o céu da noite se reorganiza, mas meu marido permanece constante, suas lesões são permanentes.”

Assim Abigail Thomas se apresenta, sofrendo aos 63 anos com o atropelamento do marido que tem os ossos do seu crânio partidos em pequenos pedaços e seu cérebro para sempre lesionado, afetando sua memória dos eventos recentes dentre outras habilidades. As palavras de Abigail Thomas não têm excesso nem de ornamentação literária e nem de dizer além do necessário. As imagens invocadas pelo seu texto são diárias e poéticas:

 “Não tem nada como a calamidade para refrescar o momento. Ironicamente, nos últimos anos minha vida começou a parecer sem forma, como uma calcinha com o elástico esgarçado, os dias estavam parando no meu tornozelo. Agora tem uma intensidade na mais humilde das coisas.”

 Mas o livro vai além da dor, da interrupção da vida pela tragédia, da angústia de cuidar do marido que exige cuidados especializados 24horas. Abigail Thomas fala da vida que precisa ser enfrentada, repensada, reorganizada, reinventada; do “lugar” que precisamos para nos dar um sentido de pertencimento.

“E o que é casa senão aquilo que a gente costura a partir das mudanças de nós mesmos?”

 O acidente do marido, que muda a vida de Abigail Thomas, ocorre quando este está levando Harry, o cachorro recém adotado do casal, para a caminhada noturna do xixi. Depois do acidente, Abigail muda-se  do apartamento em Manhattan para uma casa em uma cidade menor. E para quem pensa que ela nunca mais iria querer ver cachorro na frente dela, Abigail Thomas adota mais dois cachorros, Rosie e Carolina. Uma Vida Entre Três Cachorros mostra essa relação de aconchego, respeito e amor que é tão preciosa e regenerativa para Abigail Thomas, assim como para Harry, Rosie e Carolina. E com seus cachorros Abigail aprende lições fisgadas pela sua observação sensível.

 “O passado não é tão interessante para mim agora quanto era quando eu era jovem [...] Não há nada que queira reviver – certamente não a juventude – e quanto ao que estar por vir, eu não estou com pressa. Eu observo meus cachorros. Eles se jogam inteiramente em tudo o que eles fazem; até o sono deles é feito com seus corpos e seus espíritos por inteiro. Eles não estão esperando por um amanhã melhor ou olhando para trás para os seus gloriosos dias. Seguindo os seus exemplos, eu estou tentando ficar no presente.”

 Se o passado é um terreno que Abigail Thomas não quer montar acampamento, o futuro também é um pedaço de terra que não lhe interessa.

 “Recentemente alguém me perguntou qual é o meu maior medo. Eu não consegui pensar em algo. Para ter medo você necessita imaginar o futuro e eu nunca mais penso no futuro. O futuro não é mais meu ponto de destino.”

“[...]Quando eu era jovem o futuro era onde todas as coisas boas eram mantidas, as roupas de festas, as lindas porcelanas, as pratas da família, os ótimos empregos.”

“[...] O futuro era também o lugar onde as coisas más estavam na espreita para te atacar na surdina. Meus filhos estavam embarcam em seus futuros em um frágil navio e eu tremia. Eu queria remover os obstáculos, amaciar o caminho, eu queria mudar as infâncias deles. Eu precisava estar certa o tempo todo, eu queria que eles me ouvissem, que aprendessem com meus erros e escapassem de muitos sofrimentos. Bem, agora eu sei que posso controlar a  minha língua, o meu temperamento e os meus desejos, mas isso é tudo. Não tenho nenhum poder sobre as intempéries, o tráfego, ou a sorte. Não posso fazer as coisas boas acontecerem. Não posso manter ninguém a salvo. Não posso influenciar o futuro e não posso consertar o passado. Que alívio!”

 Seu marido morre na instituição em que ele fica internado por cinco anos, e Abigail Thomas assim nos diz como ela está vivendo sem ele.

 “Eu tenho uma repentina visão da vida sem o Rich. Não seria como cair no espaço sem uma teia de segurança, seria como cair no espaço com paraquedas mas sem um planeta para aterrizar.”

“Eu estou bem sozinha. Eu nem sempre quero responder a pergunta de porque eu estou tossindo quando eu estou tossindo [...] Eu adoro não ser interrompida no meio de estar pensando sobre nada. Ninguém enxota meus cachorros do sofá ou se incomoda com os peidos de sardinha deles embaixo das cobertas da cama de noite. Eu gosto de mudar os móveis lugar sem ter ninguém para reclamar ou notar que eu mudei. Eu gosto de cozinhar e às vezes não, arrumar a cama ou não, jardinar ou não. Assistir filmes até  três da manhã [...] sem contar das sonecas.”

 As palavras de Abigail Thomas são irreverentes, carregadas de sentido e lacunas, propositadamente colocada para nós, leitores, preenchermos com nossas experiências. Ela não moraliza sua vida e nem tampouco a trivializa com tipos clichês. E é por isso tudo que ela é a minha escritora americana favorita Se você ainda não leu Uma Vida Entre Três Cachorros, por favor, leia! A beleza generosa e a honestidade crua de Abigail Thomas será apaixonante e uma boa companhia para o inverno que se aproxima.

Abigail Thomas com Cooper, Daphne, Carolina e Sadie

 

P.S – Quase dez anos depois do lançamento de Uma Vida Entre Três Cachorros, Abigail Thomas lança seu mais novo livro de memórias, agora aos 73 anos, com o título, livremente traduzido por mim, de “O Que Vem Depois e Como Gostar” (What Comes Next and How to Like it). Agora Abigail tem  quatro cachorros: Cooper, Daphne, Carolina e Sadie. Espero que o mesmo seja logo publicado no Brasil, pois é tão bom quanto o anterior.

 

Karl Ove Knausgaard e Empatia

Como a maioria de vocês já devem saber, eu estou escrevendo um livro que é baseado em algumas experiências pessoais e na minha imaginação dessas experiências. É comum que neste trabalho solitário de escrita que você procure outros, não para te distrair do teu foco obsessivo, pois quando você está mergulhada na feitura de uma estória você fica obsessivamente dentro da tua própria cabeça, zona, nuvem. Os outros que você procura são outros, que como você, estão em suas nuvens de escrita. No meio literário, essa busca tem um nome de workshop, ou oficina literária, ou como uma amiga diz: gente se reunindo para dar um toró de palpites. Eu apresentei um pedaço do meu livro nessa sessão de palpites. Meus outros colegas acolheram bem a minha oferta de um pedaço. Disseram que ficaram com gosto de quero mais, o que é um bom sinal para uma escritora iniciante. 

Vários comentários e provocações foram feitas que me inspiraram diferentes percepções da estória que contei. Em um trecho da minha estória, eu conto: " quando eu cheguei para o funeral da minha mãe, minha irmã mais velha me recebeu, me abraçou soluçando e chorando. Eu a abracei e naquele momento eu não sabia o que fazer. Eu chorei porque achava que devia." Esse trecho incomodou um dos meus colegas da oficina literária. Ele disse que não poderia acreditar naquela reação, e que talvez houvesse mais ali do que eu, como narradora da estória, estava mostrando.

Um dos comportamentos estabelecidos nestas sessões de toró de palpites, é de que a pessoa que tem seu trabalho sendo analisado e esmiuçado, não pode falar nada. Ela precisa tomar nota dos comentários, palpites, sugestões, confusões, emoções dos outros ali presentes, suscitadas pelo trabalho escrito, e decidir o que fazer com aquilo tudo depois no silêncio solitário de sua escrita. Esse comentário de descredito e de desafio ao que está atrás das cortinas me incomodou. Na defensiva, eu pensei que ele estava projetando seus próprios desconfortos com um sentimento tão real mas nunca falado, ou confessado, em voz alta. Quem diz que no funeral da mãe chorou por convencionalidade? Minha escrita foi desafiadora e por isso ele reagiu a isso. Mas mesmo imaginando a minha defesa com convincentes argumentos que enchem o ego, eu sabia que havia algo mais que meu colega havia percebido e que precisava da minha atenção. Deixei de lado a minha inquietação e segui o ordinário da vida, que é o quê a gente faz quando não dá para encarar as provocações no momento.

Karl Ove Knausgaard

 Dois dias depois da oficina literária, eu abro para ler a revista The New Yorker daquela semana e lá há um artigo escrito por Karl Ove Knausgaard, [que é um escritor norueguês e autor dos livros absolutamente memoráveis sobre sua vida publicados em português pela Cia das Letras com o título de A Minha Luta Vol 1 e Vol 2 (terá seis volumes)]. Eu traduzo o título do artigo como: O Inexplicável: Dentro da Mente de Assassino de Massa (The Inexplicable – Inside the mind of a mass killer, May 25th, aqui está o link para o artigo em inglês:  http://www.newyorker.com/magazine/2015/05/25/the-inexplicable).

No artigo, Knausgaard reflete sobre o assassinato de sessenta e nove jovens adolescentes norueguesês pelo seu compatriota Anders Behring Breivik; esse massacre aconteceu no dia 22 de Julho de 2011, quando Breivik invadiu uma colônia de férias para jovens e matou à queima roupa sessenta-e-nove jovens e outros oito, horas antes, quando ele detonou um carro bomba para distrair os policiais. Todos nós ouvimos sobre esse massacre. Todos nós ficamos estupefatos diante da televisão com a notícia de que  em um país calmo, onde nem os policiais usam armas, próspero e organizado como a Noruega, tal bárbaro crime pode acontecer. Nós que estávamos acostumados a ouvir essas tragédias serem feitas em países como os EUA, por exemplo. Mas na Noruega! Nunca esperávamos.

O artigo é comovente e impossível não chorar lendo-o. Em certo ponto do artigo o próprio Knausgaard diz:

 “Eu sinto repulsa em escrever sobre Anders Behring Breivik. Todas as vezes que o nome dele vem à publico, ele ganha o que ele deseja, e ele torna-se o que ele gostaria, enquanto aqueles que ele matou [...] perderam não somente suas vidas mas seus nomes – nós lembramos o nome dele (o assassino), mas eles (suas vítimas) tornaram-se números. Mas ainda sim, nós devemos escrever sobre ele, nós devemos pensar sobre a crise que as ações de Breivik representam.”

 As palavras de Knausgaard me co-move, no sentido de movimentar em mim um sentimento de coragem, de pensar e falar do difícil, de buscar entender razões que provocam ações. Todos os tipos de ações. Até mesmo ações de brutalidade como essa. Não para justificar as ações ou atribuí-las características patológicas ou demoníacas, mas para perceber que por mais repugnante que sejam essas ações bárbaras elas são possibilidades humanas. Pensar sobre essas ações, e todas as outras nossas ações, é o jeito de nos protegermos da banalidade do mal, como alertou a filósofa Hanna Arendt. Mas pensar sobre algo, sobre nossas ações, é nos distanciarmos desse algo imediato para significá-lo ou re-significá-lo. Esse esforço do pensamento me parece envolvido com o sentimento de empatia.

 Knausgaard continua no artigo sua reflexão:

 “O feito de Breivik, sozinho matando setenta-e-sete pessoas, em grande parte um-a-um e a maioria olho-no-olho, não aconteceu dentro de uma sociedade em tempo de guerra, onde todas as normas e regras são suspensas e as instituições são dissolvidas; o mesmo aconteceu em uma pequena, harmoniosa, bem organizada e próspera terra durante período de paz. Todas as normas e regras foram anuladas no interior dele, a cultura da guerra tinha emergido dentro dele, e ele estava completamente indiferente à vida humana e absolutamente cruel. É para este ponto que devemos dirigir nossa atenção, para o colapso dentro do ser humano sobre o quê essas ações representam e o quê tornam as mesmas possíveis. Matar outra pessoa requer uma quantidade tremenda de distância, e o espaço que torna possível a existência dessa distancia apareceu dentro da nossa cultura. Este espaço [da distancia humana] tem aparecido entre de nós, e ele existe aqui, agora.”

 A leitura deste parágrafo no artigo de Knausgaard  instigou-me a continuar pensando sobre a distância que vivemos e a busca de empatia. É impressionante como sem o olhar no olho do outro tornou mais fácil falar indelicadezas e crueldades pela comunicação virtual. Se eu me distancio do humano no outro eu me distancio do humano em mim mesma. Mas é também impressionante como o espaço virtual criou, fortaleceu, possibilitou conexões entre o humano em mim e no outro.

 São as nossas conexões que impossibilitam distâncias.

O médico que pergunta e escuta de forma presente, atenta, curiosa o seu paciente conecta-se com este com empatia.

O amigo que questiona e ouve a dor do outro conecta-se com empatia.

A filha que percebe que há mais na mãe do que ela pode ver a enxerga com empatia.

A arte, seja em que forma for, que nos atravessa e nos provoca olhar com curiosidade e imaginação para nossas ações nos possibilita experimentar empatia.

Empatia nos aproxima.

 Passado mais dois dias após ler o artigo do Knausgaard e ter pensado sobre o sofrimento da distância e o bálsamo da empatia, eu retorno a pensar sobre o comentário do meu colega na oficina literária. Sim, ele tinha razão. Há mais sentimentos do que eu deixei transparecer. O que eu apressadamente julguei como uma ação em resposta a um dever (chorar no funeral da mãe porque era o que eu deveria fazer), mostrou-se agora mais claramente como um esforço de tentar entender o que estava me acontecendo. Eu não sabia o que fazer, eu não sabia o que pedir dos outros naquele momento. Eu fiz uma ação que era esperada: eu chorei. Uma ação. Um esforço. Uma busca de conexão, de prestar atenção, de expandir-me para caber os outros em mim. A ideia de esforço é uma ideia de ação voluntária, de escolha. Sim, empatia é uma escolha e ações não só expressam emoções como as criam.

 A beleza nem sempre surge do perfeito, do harmonioso, do equilíbrio. Um artigo sobre uma ação humana repugnante me fez compreender uma positiva ação humana: empatia. A empatia pode nos proteger da banalidade do mal.