Antônio, João, Pedro e Marçal

Na sexta-feira foi dia dos namorados. Mas para mim foi véspera de Santo Antônio. Eu lembro que era com o santo da letra A que iniciava as festas juninas do meu passado de criança.

Chegávamos da escola e a rua já estava toda decorada de bandeirinhas e correntes de revistas coloridas. Depois do almoço e da soneca da tarde íamos buscar madeira para fazer a fogueira. Por sorte, meu pai tinha uma marcenaria, eu e meu irmão não precisávamos ir mais longe do que o fundo do quintal. Aproveitávamos a sorte e a oportunidade para fazer uns trocados escondidos da minha mãe. Se alguém que não fosse conhecido do bairro viesse pedir madeira para fogueira e minha mãe não estivesse por perto, meu irmão e eu cobrávamos um pequena quantia. Minha mãe tinha mania de doar tudo, eu não entendia isso. Trocar objetos por cédulas ou moedas parecia-lhe um pecado. As madeiras das fogueiras da festas juninas não poderiam ser mercadorias de venda no caderno da minha mãe, de jeito nenhum!

Depois da chuva da tarde em Belém, por volta das 4 da tarde, era hora de fazer a fogueira. Minha mãe gostava dessa parte, mais do que ir para a cozinha e preparar o mingau de milho branco, arroz doce, caruru, vatapá, bolo de macaxeira, canjica e paçoca de amendoim. Muitas vezes minhas primas cozinhavam os panelões de mingau e caruru e minha mãe fazia os bolos de macaxeira e canjica, assim ela tinha tempo de trabalhar na fogueira.

Para fazer uma boa fogueira, minha mãe dizia, era preciso separar as madeira e escolher os pedações mais largos e grossos para ficar na base; fazer um retângulo com dois pedaços de madeira paralelos na vertical e horizontal e continuar intercalando os pedaços de madeira com precisão. Sem uma base forte a fogueira cai, o fogo se espalha, pode machucar e se apagar rapidamente. Ah, assim é vida!

Foi fazendo fogueiras para as festas de São João que eu aprendi sobre linhas paralelas, perpendiculares, vertical, horizontal, intercalação, equilíbrio e formas. Mas a minha mãe não usava as palavras da escola quando nos ajudava a fazer fogueiras, apenas mostrava.

Fogueira montada, colocava-se jornais velhos dentro e enchia o resto com os pauzinhos fininhos, era a garantia de acender a fogueira facilmente no anoitecer. Depois de ter a fogueira pronta, era só rezar ou fazer as “maricotas” de papel para não chover.

Minha mãe nunca deixava a gente fazer fogueira muito altas. Mas o Seo Antônio, a Dona Maria, a Dona Dinair e a Dona Osmarina sempre exageravam na altura da fogueira deles e competiam para ver quem fazia a fogueira mais alta da rua. Minha mãe dizia que era preciso ter cuidado para brincar com fogo. Mal sabe ela que eu penso nisso até hoje quando eu sei que estou alargando os meus limites.

Por último vinha a hora de comprar os estalinhos, estrelinhas, chuveirinhos e bombinhas. Ou melhor, era a hora de eu detestar a minha mãe porque ela comprava tudo no diminutivo para criancinhas. A Lena, o Robinson, o Wilsinho, o Ronaldo, a Edna, a Ana Lucia, a Katia, a Soraya, o Junior, o Marquinho e o Rui estavam soltando bombonas e foguetes que explodiam no céu. Minha mãe não se dobrava aos nossos apelos. Mas o que eu realmente detestava era quando algum idiota se queimava com as bombonas e estragava as minhas chances de soltar bombonas no São João. Eles eram todos uns egoístas, só pensavam neles! Minha lógica era torta.

Quando a Voz do Brasil começava no rádio, era hora de acender a fogueira, comer, comer, comer, soltar foguetinhos, dançar quadrilha e passar de fogueira. Novos laços de comadres, compadres, madrinhas, padrinhos, amigos e até noivados eram feitos para o resto do ano todo passando ao lado da fogueira de mãos dadas para lá e para cá, três vezes, dizendo: “Santo Antônio disse, São Pedro confirmou que [fulano] será o meu amor; será minha madrinha; será meu compadre, será minha afilhada; será meu amigo para sempre, que Jesus Cristo mandou!

Na semana seguinte celebrávamos São João e minha mãe ia cedo no mercado do Ver-o-Peso na véspera do dia do santo para comprar as ervas do banho cheiroso. 

Amassava as ervas em baldes ou bacias e deixava de um dia para outro no sereno.

O cheiro doce, amadeirado, perfumado das ervas estava em todas as casas e ruas do bairro. No dia São João todo mundo se banhava em ervas para celebrar o santo das festas.

No dia de São Pedro celebrávamos o quase fim das festas juninas assistindo o final do concurso das quadrilhas e carimbó nos terreiros que aconteciam nas ruas.

Mas eu aguardava com ansiedade o dia de São Marçal, último dia do mês de Junho, quando a minha avó Freda, que tinha potes e mais potes de barro cheios de cascas de abacaxi, gengibre, água e açúcar fermentando durante o mês inteiro, abria os potes e fazia a bebida mais deliciosa do mundo: Aluá. Inebriada de felicidade e aluá eu dava adeus à São João.

Ninguém precisa de namorado quando você tem Antônio, João, Pedro e Marçal para o mês inteiro!