Aprendiz Com Gratidão

Essa semana eu acompanhei os tweets #PrimeirosAssédio, segui os links para assistir videos de jovens mulheres falando para não nos calarmos e fazermos barulho, se possível muito barulho, e melhor ainda se o barulho for público sobre os assédios e assaltos ao nosso corpo, aos nossos direitos e à nossa liberdade, que nós, milhões de mulheres, sofremos cotidianamente.

Li, vi e aprendi com essas jovens e corajosas mulheres brasileiras que eu também sofri assédio. Pois antes eu tinha um sentimento de empatia racionalizada: lógico que eu me engajava na luta feminista, mas no fundo tinha gratidão pela sorte de não ter sido vitima de assédios pois ninguém havia me estuprado, ou batido em mim. Me achava a sortuda do bando, a que ainda tinha a alma inteira. Essas jovens brilhantes mulheres brasileiras com profunda ternura me tiraram as máscaras e eu pude ver que na minha infância nos anos 70 faltava uma palavra no vocabulário da minha mãe, das minhas vizinhas, das minhas tias, das minhas primas, das minhas irmãs, das amigas das minhas irmãs, das minhas amigas, das minhas professoras para descrever que quando os meninos levantavam a minha saia do uniforme na escola, isso era assédio. Ninguém disse para mim que quando os meninos do bairro falavam indecências para mim sem serem solicitados, ou quando passavam a mão no meu cabelo, na minha bunda, no meu peito quando eu andava na rua, ou na festa junina, ou no baile de carnaval, ou na procissão, que isso era assédio. Ninguém usava a palavra assédio para dizer do que estava acontecendo com a gente. Sem a palavra parecia que a violência e o medo não existiam. Para a minha fúria, indignação e nojo eu recebia: "Deixa pra lá." ou "Eles são estúpidos, não liga." ou "Evita passar por lá." ou "Não vai sozinha." ou "Não fica assim." ou "O que não mata, engorda."  Tudo isso dizia que meninos estavam fazendo a estupidez de meninos e eu [meninas] devia evitar aborrecimentos. Para evitar aborrecimentos eu [meninas] devia ficar calada; sofrer quieta e superar e colar os pedaços da minha alma fraturada com resignação.

Essa semana com 48 anos aprendi com as  lindas corajosas brilhantes jovens mulheres brasileiras que a estupidez dos meninos, jovens, homens, de violentar meu corpo, meus direitos e minha liberdade é assédio. E se sentir-me assediada eu posso, devo, fazer barulho, muito barulho, público barulho. Profunda gratidão.