Olhar Para Trás, assim como Orfeu
Estou escrevendo um ensaio sobre a minha tentativa de encontrar as certidões de nascimento e casamento de meus avós maternos, ambos nascidos e casadosem Portugal. Com quatro filhos imigraram para o norte do Brasil, Belém do Pará, lá tiveram mais filhos incluindo a minha mãe e lá morreram sem nunca terem voltado ao lugar de seus nascimentos. O ano da minha busca pelos papéis que provariam a existência de meus avós foi 2002. Naquele momento eu estava interessada na possibilidade de obter um passaporte europeu através da comprovada ancestralidade. Essa foi a estória que contei para mim e para os outros. Por vários motivos burocráticos, esse pedido de passaporte ainda não foi possível, mas a estória torna-se uma realidade possível através de mim, eu sou sua narradora. Guimarães Rosa disse que Narrar é Resistir. Matuto essa ideia por horas que não conto. Há tantos sentidos em resistir. Alguém finca o pé no chão e resiste; alguém discorda de rumos e resiste; alguém constrói com materiais fortes e flexíveis e resiste; alguém é empurrado, soprado, amassado, sacolejado e resiste; alguém testemunha, registra e resiste. Por várias vias os sentidos de resistir apontam para a tentativa de negar a morte. Assim como Orfeu que quis resgatar seu amor Eurídice da morte, lanço-me na viagem. Eu, assim como Orfeu, olho para trás. Quem não olharia? Eu olho para o passado para resgatar os meus amores e resistir a morte. Eu, assim como Orfeu, perco porque somente olhar para o futuro à frente nos despe de nossas dimensões. Eu, assim como Orfeu, não consigo vencer a inevitável morte. Mas da minha viagem eu trago de volta os fantasmas que me narraram e uma nova imagem de mim. Há tantas portas. Basta entrar.