LÍNGUAS, IDENTIDADES, CÍRIO DA NAZICA

Semana passada eu não escrevi no blog. Preguiça? Não. Havia uma não vontade.

Eu não tinha vontade de me distanciar da estória que estava escrevendo. Eu passei a semana lidando com a escrita de uma estória em Inglês. E ainda estou na peleja com o texto. É uma estória pessoal que eu vou contar em uma segunda língua.

Posso dizer que tem sido uma experiência de puxar e estender tendões, com grande cuidado para não distendê-los. Sim tendões, aquele fios, alguns grossos outros fino, que conecta os músculos aos ossos e mantém o corpo em equilíbrio. Colocar muito esforço e descuidar dos tendões pode causar uma tendinite. Uma inflamação dolorida. Fazer movimentos repetitivos pode causar uma lesão nos tendões. Um esforço maior meu de rebuscar o texto, ou um esforço de uma repetição infrutífera, pode inflamar a narrativa. Isso lógico pode acontecer tanto usando o português quanto o inglês. O problema fica mais delicado na segunda língua por conta da não “naturalidade” do processo.

Eu não gosto da ideia de “naturalidade” quando se fala de processos criativos, porque pode dar a impressão errada de que o ato criador é absolutamente sem esforço, é natural. Muito pelo contrário, criar, seja um quadro, uma poesia, uma casa, um conto, uma conexão de ideias, um aplicativo, exige esforço, dedicação, disciplina, introspecção, reflexão, prática e desafios. Não há uma biologia “natural” do processo de criar, com a qual alguns iluminados nasceram. Mas também eu não posso escapar da percepção de que quando se trata de escrever na língua que você foi amamentado, cantou as cantigas de roda, leu os primeiros livros na escola, brigou com a melhor amiga, xingou o primeiro namorado, seduziu o primeiro amante, há algo de naturalmente orgânico. Essa língua que te “maternou” e com a qual você entende e vê o mundo, já está lá contigo desde o nascimento.  É uma trajetória orgânica você se vestir e se despir na língua materna. A outra língua foi uma escolha de depois. Há cortes e edições aí invocados. Narrar as estórias suas em outra língua é um trabalho sem o instinto da língua na qual você nasceu. É pensar em cada palavra, cada vírgula, cada ponto.

Na minha aula de yoga, a minha professora-poeta sempre nos faz “entrar” na pose e depois parar para refletir. Ação-reflexão-expansão é o seu mantra. Esse hábito formado nas aulas de yoga coloca-me a pensar no que estou fazendo.

Escrever em outra língua é uma nova identidade. Mas não é uma destruição de si. É uma desconstrução que com acuidade se recompõe em diferentes formas. Uma nova edição. Os tendões são tecidos regenerativos. Há um sentimento de liberação ao adotar uma outra língua para ver e descrever o mundo. Vladmir Nobokov, author russo, escreveu Lolita – seu romance mais famoso – em inglês, língua que adotou adulto. Samuel Becket, escritor e dramaturgo irlandês, escolheu o francês com a sua outra língua de seus últimos e famosos escritos, entre eles Esperando Por Godot. Escrever em uma outra língua é uma re-invenção de si que embriaga pelas infinitas possibilidades de tomar a forma que bem lhe aprouver.

É uma re-invenção de si. E também é a dimensão performativa da identidade: eu mudo de língua e a língua me muda. Na medida em que eu ajo em outra língua essa outra língua age em mim. E não há imunidade para as transformações dessa performance. Só há mais largura e mais estórias.

Espero que eu engorde a minha existência de estórias para contar em outras línguas que escolher e que meus tendões me mantenha em equilíbrio.

É o meu pedido especial para a Nazica***.  Amém! Um bom Círio a todos!

 

*** Para os leitores não Paraenses deste blog, Nazica é como nós nos dirigimos com intimidade e respeito a Nossa Senhora de Nazaré, padroeira de todos os nascidos, adotados, imigrantes, refugiados, amigos e conhecidos de Belém do Pará. E o Círio é gigantesca procissão seguida de uma monumental festa que acontece em sua homenagem no segundo domingo de outubro.

 

P.S.   Eu não vou ser egoísta no meu pedido, pois estou em um blog público e vocês me julgarão como aquela descarada que só pensa nela. Vou pedir para a Nazica dar uma força para os amigos conseguirem uma casinha.

P.P.S. Ok. Ainda é pedido só pra poucos. Então eu vou pedir para os governantes brasileiros escreverem uma estória do Brasil sem racismo, preconceito, corrupção, violência e ganância dos podres de rico.


P. P.P.S   O que que você pediria para a Nazica?

P.P.P.S      Não se acanhe. Pode pedir. Ela escuta. Vai, compartilha. Diz aí, escreve aqui no blog, o que você pediria para a Nazica?