Raiva, Indignação .... Elena Ferrante 1
A manobra golpista do presidente da câmara federal, Eduardo Cunha do PMDB, para passar a redução da maioridade penal foi indignante! Repugnante! Foi um ato de grave ofensa aos princípios legítimos democráticos. E agente tem que continuar a vida no dia seguinte engolindo a nossa indignação e desobstruindo a vista para enxergar com claridade onde podemos colocar os nossos pés.
Assusto-me com a caretice e a cretinice que tomou conta de uma grande parcela da população brasileira. Assusto-me com a falta de densidade histórica que poderia nos ajudar a eleger melhor nossos representantes políticos. Mas por outro lado, porque me assusto com esta falta? Essa falta foi decorrente de um plano articulado e executado. Agora colhemos frutos. Meus pais, ambos nascidos na década de 1930 não sabem ler ou escrever, nunca foram à escola, jamais usufruíram do prazer da companhia de um livro. Não havia interesse do Brasil em educar-lhes o espírito e o intelecto; meus pais eram dois em um oceano sem fim de uma massa não educada. Parte de um plano.
Cresci e tornei-me professora universitária. E a cada ano arrepiava-me com uma pequena estatística que fazia ao perguntar aos meus alunos se eles eram a primeira geração de sua família a chegar à universidade. A esmagadora maioria em 2015 é a primeira geração. O plano continua em execução porque funcionou.
Ainda não sabe-se ler no Brasil, não sabe-se compreender as articulações fascistas, ou discernir os atentados `a nossa frágil democracia. A população que não foi respeitada ou encorajada à pensar fazendo conexões e conjecturas próprias agora é facilmente hipnotizada pela informação que ouve sem desconfiar que há jogos de discursos e obscurações de fatos. O que hoje os políticos brasileiros de direita facista querem nos dar é prisão em vez de educação, arte, cultura, trabalho. E, sem possibilidade de articular os desejos ou pensamentos, a massa não educada aceita a imposição autoritária. “Tudo um dia vai melhorar,” dizia a minha mãe que não queria se perder na desesperança.
A raiva e a indignação que hoje eu sinto pelos golpistas, militantes da desumanização, autoritários, facistas políticos brasileiros é ecoada na literatura pela escrita de uma raivosa escritora (ou escritor) italiana chamada Elena Ferrante. Ninguém sabe a identidade de Elena Ferrante, se é homem ou mulher. No anonimato, Elena Ferrante quer promover as suas estórias e não a sua pessoa. É o criar sem ego, sem entrevistas, sem fotos em jornais, sem paparicos pessoais.
Elena Ferrante escreveu recentemente quatro livros de sua novela Napolitana. Três desse livros já foram lançados nos EUA. O primeiro livro com titulo de “A Amiga Genial” foi publicado este mês no Brasil pela Biblioteca Azul.
Quando eu comecei a ler Elena Ferrante, foi impossível parar. Por quase três meses eu só li seus livros. Todos que pude ter acesso. Sua narrativa é de raiva e candor na mesma dose. Suas palavras são visceralmente honestas. Seus personagens são próximos à nossa pele.
Em “A Amiga Genial,” Elena Ferrante, inicia a contar a estória de amizade, amor, crescimento de Lina Cerullo e Elena Greco, duas meninas que viveram na pobreza napolitana durante o facismo de Mussolini. É impossível não conectar a pobreza de Nápoles na Itália com a de Belém na Amazônia ou a do Rio de Janeiro. Como já dizia Arnaldo Antunes na música gravada pelos Titãs, “Miséria é miséria em qualquer canto. Riquezas são diferentes.”
Eu não quero dizer mais de Elena Ferrante por agora, eu quero sentir o eco de sua lúcida raiva trazendo compaixão ao meu peito. Na próxima semana eu vou falar mais em detalhes da novelas napolitana de Elena Ferrante. Por agora, vai, compra, empresta, pede para alguém o livro e começa a ler. Provavelmente, você acabará de ler antes da próxima postagem do blog.
Para dar água na boca, aqui vai um link para um trecho do livro de Elena Ferrante. Aproveita!