EM BUSCA DO TEMPO VIVIDO COM PROUST

Este ano eu fiz quarenta e oito anos e, desde então, eu me pego pensando sobre a meia idade. E quando eu olho em volta, eu fico tentando imaginar a idade das outras mulheres e homens e fico procurando sinais de meia idade. O que é a meia idade? Eu não consigo ver, não porque voluntariamente estou evitando olhar na cara da meia idade. Mas porque todos me parecem inteiros (e não meios) no pico do Evereste de suas vidas, até o momento que eles não estão mais. Eu não sei qual é o rito de passagem, se é que há um; eu não sei qual é o momento certo da meia idade, se é que podemos marcar no calendário. Eu só sei que há aprendizagens nesse percurso, o qual não pode ser feito por mais ninguém, mas nós mesmos.

"Vamos ser gratos às pessoas que nos fazem felizes, elas são charmosos jardineiros que fazem nossas almas florirem."

 Alain de Botton, um filósofo pop de origem suíça, escreve livros trazendo as intrigas filosóficas para o reino da vida cotidiana. Seus livros são interessantes e de uma leitura de inspiração fácil. Recentemente eu li o  livro Como Proust Pode Mudar a Sua Vida” que ele lançou em 1997 e que foi publicado no Brasil pela Editora Intrínseca em 2011. Alain de Botton apresenta Marcel Proust, autor da épica obra “Em Busca do Tempo Perdido,” aos leitores e depois detalha trechos de sua obra para nos dar algumas lições proustianas sobre essa imprevisível vida nossa de cada dia.

 Segundo Proust as aprendizagens da vida podem ser feitas de dois modos, de um modo é sem dor e através de um professor. O outro modo é dolorido e através da vida em si mesma. Ele sugere que este segundo modo é mais diverso, profundo e duradouro. Alain de Botton diz que Proust acreditava que a gente não aprende nada propriamente dito até aparecer um problema, até estarmos em dor, ou até algo não acontecer do jeito esperado. Nas palavras de Proust: Uma memória que não falha não é um incentivo poderoso para estudarmos o fenômeno da memória.”

"A verdadeira viagem de descoberta consiste não em buscar novas terras, mas em ter novos olhos."

 Proust, que era um clássico hipocondríaco, adorava ficar na cama, e é desse lugar que ele nos dá a receita de como sofrer: “Quando alguém está triste, é maravilhoso deitar-se no quente de sua própria cama, e lá, com todo o esforço e luta, e talvez com a cabeça embaixo das cobertas, entregar-se completamente ao lamento, como galhos que se movem no vento do outono.”

A gênese do meu sofrimento eu conheço.  É uma vontade de agarrar, de não se render comlpetamente às coisas, de ter controle do imprevisível.  Sofro porque sou inconformada com a natureza das coisas. Sofro porque quero ter certeza, quando tudo que me é oferecido são possibilidades e experiências impermanentes. Sofro porque quero impor permanência ao fluxo corrente. O desejo de fixidez me foi implantado como propriedade da felicidade.

 Proust, assim nos conta Alain de Botton, em uma carta à Madame Straus comenta de um protegido da madame: “Esse homem que é tão acético, tem certezas gramaticais. Ora, Madame Straus, não há certezas, nem mesmo as gramaticais [...] somente as coisas que carregam as marcas de nossa escolha, nosso gosto, nossa incerteza, nosso desejo e nossa fraqueza pode ser bela.”

 Com Proust dá para perceber que a beleza não vem da harmonia, da perfeição, da certeza, ou da retitude não duvidosa. Mas a beleza também vem do torto, do incerto, do fraco, das rugas, das varizes, das dúvidas que nos fazem inteiros. Isso não é um jeito de “abraçar a minha imperfeição,” porque isso é papo para vender cosméticos. Essa pérola proustiana me diz que minhas marcas, dúvidas e incertezas me fazem bela, porque eu sou elas.

 Se for a meia idade um grande e fofo colchão da vida, eu quero afundar-me nele cultivando flexibilidade e elasticidade para seguir em busca do tempo. Eu encaro ser feliz hoje com o estado de satisfação de tanto faz a chuva ou o sol. Sou feliz quando eu entendo o limite da minha influencia nos acontecimentos da vida e dou bem-vindas ao torto inesperado.

 Já deu para perceber por este blog, que eu me valho da arte para me elevar do mundano, e refugio-me e encontro-me nos livros e nas estórias que os livros contam. Proust assim falou da íntima conexão entre literatura e as nossas construções de nós mesmos:  Na realidade, todo leitor é, enquanto ele está lendo, o leitor dele mesmo. O trabalho do escritor é meramente um tipo de instrumento ótico o qual ele oferece ao leitor para possibilitar à este discernir o que, sem o livro, ele talvez nunca teria experimentado em si próprio.”

 E também assim falou do papel da arte: “Nossa vaidade, nossas paixões, nosso espírito de imitação, nossa inteligência abstrata, nossos hábitos há muito trabalham para nos forjar, é papel da arte, então, desfazer este trabalho.”

 Recomendo o livro “Como Proust Pode Mudar a Sua Vida” de Alain de Botton  (Editora Intrinseca) para uma leitura a qualquer hora do dia e da noite. Boa semana!